Mostra de Cinema 2004, dia 5:

A Casa Vazia, a obra-prima do festival até o momento

La Niña Santa , de Lucrecia Martel.

(idem, Argentina/França/Itália, 2004)

Uma das mais fascinantes características das histórias contadas por Lucrecia Martel é que nada do que está por vir pode ser previsto. A cineasta argentina da obra-prima O Pântano (2001) volta a invadir os pequenos segredos de seus personagens num filme em que as perspectivas estão nubladas para todos e há pouco em que se agarrar. O cinema de Lucrecia é humanista no mesmo grau de que é desesperado. Privilegia os personagens em detrimento da narrativa. Esmiuça o que pode de suas pobres mentes sem nunca nos entregar seus pensamentos. Consegue resultados impressionantes. Ninguém faz o que essa mulher faz hoje no cinema.

A Vida é um Milagre , de Emir Kusturica.

(Zivot Je Cudo/Life is a Miracle, Iugoslávia/França, 2004)

A volta à guerra trouxe um Emir Kusturica dividido entre a beleza de sua já clássica incursão pelas possibilidades do fantástico, do circense e sua prisão na própria armadilha ao se embrenhar pelo pastelão excessivo. Slavko Stimac é o melhor em cena, como o engenheiro que vê a proximidade do conflito desestruturar sua família. Na visão de Kusturica (que já nos entregou uma obra-prima sobre a guerra, Underground, 95), essa história permite brincar com os limites entre o real e o surreal embalado pela música composta por ele mesmo. Dos elementos mágicos que insere em seu longa, o burro apaixonado é, de longe, o melhor.

A Casa Vazia , de Kim ki-duk.

(Bin Jip, Coréia do Sul, 2004)

A obra-prima só apareceu aos meus olhos quase no fim do festival. A Casa Vazia é de uma beleza completa, seja julgado sobre o prisma que for. Caso se resumisse a história do homem que invade residências vazias e um dia se depara com alguém numa delas, já seria um filme impressionante, mas é o coreano Kim ki-duk vai além. A história de amor que surge entre os protagonistas foge do óbvio apostando em que não é preciso explicar nada. Amor não se explica. O mágico aparece como complemento para a trama. A dupla de atores com suas interpretações minimalistas e mudas consegue poesia. Pena que eu só vi uma vez.

O Revólver Amado , de Kensaku Watanabe.

(The Loved Gun, Japão, 2004)

Old Boy , de Park Chan-Wook.

(idem, Coréia do Sul, 2004)

Dois mangás feitos para celulóide que contam histórias de vingança. A diferença é o resultado. O Revólver Amado, do mesmo diretor do fraquíssimo e pretensioso A História de Pupu (99), é bem irregular. A história do assassino profissional caçado pelo próprio mentor consegue momentos visualmente inspirados, justamente quando mais se aproxima do mangá, mas não sabe traduzir isso para sua narrativa. Já Old Boy consegue um resultado muito melhor. É realmente uma história em quadrinhos adulta filmada. O virtuosismo (quase excessivo) de sua concepção visual e a vontade de ser definitivo atrapalham um pouco esse caminho, mas ainda assim o filme é uma belezinha.

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