Nosso Lar

Num mundo democrático feito o nosso estava faltando um filme como Nosso Lar. O longa-metragem de Wagner de Assis é uma corajosa adaptação de um livro de ficção-científica de Chico Xavier que tem a função clara e objetiva de divulgar uma doutrina. E, com uma proposta tão honesta assim, o cineasta merece respeito por dar a cara a tapa e tentar reproduzir, além do cenário da megalópole celeste que batiza o filme, os conceitos, preceitos e regras de uma religião comumente perseguida por defender a existência de, entre outras coisas, “fantasmas”, “zumbis”, “viagens espaciais” e “superpoderes”.

Enquanto filme-propaganda, Nosso Lar cumpre sua função: dissemina sua doutrina de forma didática e até engraçadinha – tirando um sarro leve, mas sem ofensas – de incrédulos e da Ciência – e procura apostar na emoção simples, quase rasteira e imediata, para conquistar com facilidade seu público, completamente disposto a enxergar o filme como um belo testemunho de fé. Ora, e quem é alguém para questionar a fé dos outros? Vai, o Espiritismo pode parecer bem simpático para leitores de HQs e fãs do George A. Romero.

O que talvez seja o maior problema do filme é que ele não funciona para quem não está disposto a comprar seu discurso e somente assim seria possível perdoar a dramaturgia raquítica. Mesmo em filmes com mensagem dá pra ser menos óbvio no texto e na interpretação. Praticamente todos os diálogos ganham um tom professoral incômodo, sobretudo quando o protagonista, que tenta parecer sério o tempo inteiro, está envolvido. Desencarnei de vergonha alheia.

É preciso ainda ter bastante disposição para digerir o desenho de produção do filme, farta de paisagens coloridas, tranqüilas e serenas, com aves-do-paraíso e cometas humanos que cruzam os céus. No entanto, essa afirmação pode ser totalmente ignorada caso o leitor seja fã do banco de imagens do Windows Vista. Não lembro de ter visto um filme que se arriscasse tanto neste pacote visual. O Purgatório é cenografado como no clássico Super Xuxa contra o Baixo Astral, com bastante gelo seco – opção, né? Ou será que contou o fato de o diretor ter escrito quatro filmes da Xuxa? – e tem arruaceiros maltrapilhos como em qualquer clássico kitsch que se preze, desta vez encarnados com uma trupe teatral interiorana com preparação corporal intensa.

O que deve gerar mais comentários – contrários ou favoráveis -, no entanto é a concepção visual da cidade flutuante, que transforma o filme numa ficção-científica B setentista sem tirar nem por. Tem muito de Fuga do Século 23 ali, inclusive o uso e abuso de conceitos plásticos e de tecnologia, que celebram o futuro e a harmonia, e que perderam o sentido algumas décadas depois da publicação do livro em que o filme se baseou, em 1944. No entanto, está claro que o cineasta usou todos os recursos possíveis para reproduzir as ideias para a tela. Mesmo que não tenham sido tantos assim.

Mas tudo bem. Esses detalhes passarão batidos para os espectadores de Nosso Lar, muito mais interessados em ver suas crenças reproduzidas com tanta fidelidade no cinema. E eles serão milhões, está escrito. Ops, psicografado. Pena que este filme, embora genuinamente corajoso, seja tão diferente da cinebiografia de Chico Xavier dirigida por Daniel Filho, um retrato mais sóbrio da vida do personagem, um trabalho eficaz e sem segundas intenções.

Nosso Lar Estrelinha
[Nosso Lar, Wagner de Assis, 2010]

Comentários

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35 comentários sobre “Nosso Lar”

  1. concordo com o comentário, sou espírita e acho q emos de dissociar as coisas, uma coisa é a questão da divulgação da doutrina, qto a isso o filme tem seu valor, poderia ter mais, mas é como a criança q está aprendendo a andar, a gente chega lá, agora qto a uma visão de cinéfilo fiquei decepcionado, espera muito mais, gastaram muito em efeitos especiais q podiam ter sido feitos de forma mais simples, e extraírram muuuito pouco da história q é bem mais complexa, a trilha sonora é irritante, e realmente o tom professoral pega muito mal, fica parecendo pregação e espanta quem está lá por curiosidade, mas como eu disse estamos só começando.

  2. No Cinema tem espaço para todos , mas melhor ainda temos filmes como Nosso Lar , que nos motiva para sermos pessoas melhores , e nao apenas contempladores de arte vazia.

  3. COZI, COZI
    Em bom italiano: MAIS OU MENOS

    Gente, eu sou espírita e li o livro ´´ NOSSO LAR ´´ quando tinha 16 pra 17 anos . Na época, achei muito louco conceber a ideia de que há matéria no mundo espiritual, mas depois, lendo uma coisa e outra sobre física quântica, passei a acreditar.
    Dito isto, eu e mais alguns amigos fomos assistir ao filme Nosso Lar, hoje! Passamos mais de duas horas na fila. Não fosse a enorrrrme vontade….
    Tudo bem, vencida a primeira etapa, pensei: agora vou poder dar uma volta no shopping e comer alguma coisa até a sessão começar! LEDO ENGANO!Tive que entra noutra fila para pode entrar no saguão e em mais outra para entrar na sala de projeção. Ou seja, mais uma hora na fila. TOTAL: MAIS DE 3 HORAS , QUASE 3½……REPITO: NÃO FOSSE A ENORRRRME VONTADE…..
    Finalmente entramos , nos acomodamos e pudemos assistir em paz nosso filme ( aliás, eita povo educado esse do movimento espírita. Não se ouvia um ´´ai´´ durante a projeção. Silêncio total.)
    Acontece, que eu não estava gostando e sabia que no final da sessão viria aquela fatídica pergunta: “E AÍ, GOSTOU? PORQUE, EU ADOREI!”
    E assim foi! E eu respondi: Não!
    Todos os olhares se voltaram para mim. ( DETALHE: todos os meus amigos ali presentes SÃO espíritas)
    E eu tive que explicar.
    Mas como explicar que eu não gostei foi do ROTEIRO e não dá estória? Além disso, A INTERPRETAÇÃO DOS ATORES ESTÁ MUITO FRACA, INCLUSIVE DOS VETERANOS; A DIREÇÃO TAMBÉM DEIXOU A DESEJAR E, COMO BEM DISSE A FENANDA, ´´ O DESIGNE É ABSOLUTAMENTE ANTIGO´´, NO QUE COMPLEOT EU : imprimindo um visual à la ´´FLASH GORDON´´ ao cenário!
    Minha preocupação era dizer tudo isto, sem parecer arrogante e passar a ideia errada de que estava querendo dar uma de grande entendedor, pois, não por coincidência, mas por fato, EU SOU ROTEIRISTA e, sendo assim, tenho a obrigação atentar para esses detalhes e não deixar que passem desapercebidos” !
    Aliás,foi justamente esse o meu comentário: ÀS VEZES, É MELHOR A GENTE NÃO APRENDER AS COISAS, PORQUE PASSA A PERCEBER MAIS FACILMENTE OS DEFEITOS!
    CONCLUINDO: Eu não sei até que ponto o filme ajuda E/OU prejudica a visão da doutrina pelos não adeptos; pois, assim como o CHICO , não tendo conhecimento de alguns fatos mencionados no filme, foi procurar referências no que vivenciou até aquela época (no caso zumbis, superpoderes , etc e tal ), outros assim o farão e, tal qual a mim, nos idos de minha adolescência, podem não levar a sério a obra e, por conseguinte, toda a doutrina, por achá-la fantasiosa demais; embora a base da mesma deva continuar sendo Pentateuca, no caso, as cinco obras da codificação: ´´ LIVRO DOS ESPÍRITOS ´´; O ´´ EVANGELHO , SEGUNDO O ESPIRITISMO ´´; ´´ A GÊNESE ´´; ´´ O CÉU E INFERNO ´´ e o ´´ LIVRO DOS MÉDIUNS ´´.

    SAUDAÇÕES A TODOS!
    FIQUEM COM DEUS!

  4. Ricardo, eu não quis em momento algum criticar o Espiritismo. Se há sarcasmo no texto, ele se dirige ao modo como os conceitos são apresentados e não a eles.

    Adriano, não há intenção minha em criticar a doutrina.

  5. Me desapontei com o filme, tanto como adaptação falha de um livro muito superior como adaptação falha da doutrina espírita. Francamente, o que foi aquelas imagens do Umbral? Deveria ser um “inferno pessoal”, nada de zumbis que caminham e brigam entre si.

    Agora, talvez não seja a intenção, mas o post parece criticar incessantemente o espiritismo; culpa talvez das ideias fracas e errôneas difundidas pelo filme — de novo nessa tecla, mas o que foi o Umbral? E nem exploraram a história da mãe dele, nem explicaram que Nosso Lar não é tudo que há… E vários pontos que eu poderia continuar a criticar, mas só faz sentido para quem leu o livro, e acho que aqui foram poucos.

    Mas bem, não posso dizer que discordo da crítica; a trilha sonora, forçadíssima; as atuações, fracas. Achei que o filme seria melhor — o livro é cheio de cenas boas. Mas a escolha das cenas, o modo que a história foi contada, infelizmente foi reduzido e mal-adaptado às duas horas de filme.

  6. Respeitar as pessoas não significa calar-se sobre inconsistências em suas crenças. Sejamos francos, o filme é fraquinho e a doutrina Espírita é escapista e bobinha.
    Espíritos atormentados podem dar histórias ótimas, de Hamlet a Os Outros. Para apreciar essas narrativas não é preciso acreditar no além.
    Agora, essa visão kitsch de cidade transcendental da paz é, no meu entender, a imagem mais próxima que alguém poderia pintar do inferno. Tremo só de pensar na possibilidade de ir para lá… mas para meu conforto duvido muito que alguém sobreviva a si mesmo.
    PS: Esse post foi psicografado!

  7. Fala Brainiac. Nunca imaginei que alguém de sua ilustre família passasse por aqui.

    Olha, não me interprete mal, mas pelo texto que, repito, não critica a doutrina. Eu não tenho nada contra o Espiritismo. Vou repetir mais uma vez: sou simpático a muitos conceitos. Se fui sarcástico e irônico, foi com o filme, que tem vários problemas.

    Sobre o IG, não o culpe. Não tenho qualquer relação com o portal. E também não sou crítico de cinema. Apenas dei minha opinião, isenta sobre o trabalho.

  8. Olá,

    Para o sr que não tem um conhecimento espiritual, pode soar como bobagem ou besteira, mas não se iluda que isto possa ser uma irrealidade. Aliás é uma realidade que pode ser alcançada por todos nós, nem mesmo o sr com seu cetismo barato pode garantir o contrário.

    Hoje o sr pode estar zombando, mas quando passar vários anos na condição de um ovócito e após longos anos cair em si, duvido que ache a mesma graça.

    O livro não é uma leitura para leigos como o sr. precisa-se ler a obra doutrinária, para ao menos saber o que se passa.

    Os homens cometa que fala de certa forma irônica, são pessoas que já alçaram a condição de luz, coisa que pelo visto não te acontecerá tão cedo.

    Lamento que o IG tenha um crítico tão parco e sem cultura, espero que consigam achar algum mais instruído em cultura geral.

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