João já partiu há oito anos, sem muitas explicações e sem deixar rastros aparentes. Sua mãe, Doroteia, e sua esposa, Sofia, se alimentam da esperança de um reencontro. Enquanto seu pai, personagem-título de O Gebo e a Sombra, carrega o peso do mundo, guardando para si um grande segredo. O que move o protagonista do novo filme de Manoel de Oliveira, é o amor, um sentimento de proteção e o cuidado para com as pessoas que importam para ele.
Gebo é um homem de grandes responsabilidades. Mesmo perto do fim da vida, ainda trabalha como contabilista e sustenta o que restou de sua família. Como se não bastasse, vive cercado entre a realidade dura de uma vida miserável e a fantasia que mal sabe inventar para a mulher. A clausura a que o personagem se vê condenado se materializa nos cenários escuros e na câmera rígida de Oliveira, que comanda imensos diálogos quase que sem cortes, como se decretasse que é impossível escapar dali.
O Gebo e a Sombra foi um dos principais destaques da 36ª Mostra de Cinema de São Paulo, festival que sempre abrigou os filmes lançados pelo veterano cineasta português, mas até agora não existe previsão de uma estreia em circuito comercial. Baseado numa peça de Raul Brandão, escrita em 1923, o longa que estreou no Festival de Veneza se passa na Paris do fim do século 19, e é uma espécie de reflexão sobre pobreza e honestidade.
Manoel de Oliveira filma em francês, o que permite que seu trio habitual de atores, o sobrinho Ricardo Trêpa, Luís Miguel Cintra e Leonor Silveira se juntem a três grandes nomes do cinema europeu, o inglês Michael Lonsdale, radicado na França há anos, a italiana Claudia Cardinale e a grande Jeanne Moreau, que só aparece numa sequência, mas rouba o filme com sua Clotildinha, a vizinha que aparece para papear na casa da família de Gebo.
Esta cena, em que família e amigos se reúnem à mesa é uma síntese do filme. É nela em que, de uma maneira extremamente simples, os atores mostram a visão de Oliveira sobre o mundo, os deveres, as culpas, os pequenos prazeres. É quando o cineasta de 103 anos, que já prepara um próximo longa baseado em contos de Machado de Assis, mostra que não está cansado de entender o homem, suas razões e suas ambições. Gebo é sua declaração de amor ao homem.
O Gebo e a Sombra ½
[Gebo et l’Ombre, Manoel de Oliveira, 2012]
Duas correções: o ator Michael Lonsdale, apesar do nome, é francês, nasceu em Paris. Quanto ao papel da Jeanne Moreau, é o de “Candidinha”, não “Clotildinha”. Lendo a obra de Raul Brandão e sabendo que a Candidinha aparece em outras obras – sobretudo em “A Farsa”, não se pode dizer que tenha sido um grande desempenho. Sóbrio, sim, mas muito distante da alcoviteira cheia de ressentimentos que era a Candidinha.