O ÚLTIMO SAMURAI

Herói de verdade, acredita Edward Zwick, é aquele que luta por seus princípios mesmo que eles não sejam os mesmos que os de sua pátria. Herói de verdade, na opinião de Tom Cruise, é aquele se rende à beleza de uma cultura que, de pronto, lhe causa estranheza, mas termina por fasciná-lo e motivá-lo a enfrentar antigos aliados. O Último Samurai é um filme sobre o intrépido general Custer, o impetuoso líder norte-americano que matou índios e se sagrou herói de sua nação. Ou ainda, sobre como é errado acreditar nesta faceta heróica do militar, um “assassino irresponsável” como nos informa a personagem do ator mais famoso mundo neste filme. A primeira cena do longa já revela as intenções de seus criadores: desconstruir a imagem militarista dos Estados Unidos. Cruise, bêbado, entra num palco para apresentar uma das maravilhas do mundo bélico, destino reservado para os antigos grandes heróis do povo norte-americano. Primeira lição de moral do filme: “esse negócio de guerra não vale nada”.

Reconstruir seu orgulho é missão importante para o capitão vivido por Tom Cruise. Ensinar soldados japoneses como modernizar suas técnicas de combate e enfrentar antigos guerreiros presos ao passado, os samurais, termina sendo a única chance da personagem encontrar motivações e encher um pouco os bolsos de dinheiro. Mas, ao se deparar com o novo país e com o modo de vida que se apresenta para ele, Nathan Algren enxerga que a simplicidade do povo japonês, sua cultura e suas tradições são muito mais honradas e valorosas do que lutar pela aproximação de uma nação do mundo capitalista. Erradicar a história de um país é errado. Lutar pela liberdade de pensamento e de expressão é certo. Segunda lição de moral do filme: “mais vale um passado puro e cheio de beleza do que um futuro sem alma e corrompido”.

Veja bem, há que se valorizar Tom Cruise. O ator tem uma preocupação flagrante em sua última década e meia de carreira: a de ser cada vez mais um melhor intérprete. O problema é que falta talento: Cruise não é um ator ruim, mas não é – e pelo currículo que nos mostra – jamais será um grande ator. Nem todo astro se arriscaria em Magnólia (99), que fez com empenho mas sem tanto sucesso artístico, ou Vanilla Sky (01), filme que pretende mais que cumpre. Poderia ficar no canto dele, mas se arrisca com seu engajamento político. Talvez politicamente correto demais. Em tempo onde é politicamente correto não ser politicamente correto (Tiros em Columbine, 02), O Último Samurai chega todo prosa, criticando os Estados Unidos e a corrupção do alto escalão japonês. Mas é bobo demais, óbvio demais, e guarda uma interpretação muito fraca do nosso herói. Seja bêbado, seja raivoso, seja com falas bonitas, Tom Cruise não convence. Porque não consegue mesmo.

A rendição final do herói à cultura que o conquistou, o que nos leva a terceira grande lição de moral do filme (“honra é o que vale nesta vida”), é conduzida de forma incômoda por Edward Zwick. O diretor de Lendas da Paixão (94) é muito fraco. Bebe da obviedade sem parecer nem ter consciência disso. Recorre a batalhas gloriosas, fotogradas com muitas cores por John Toll, e não chegar a lugar algum além do lugar comum. O Último Samurai é feito para um novo pensamento mundial, posicionado politicamente, pronto para gerar debates éticos, mas é um filme que já nasce velho, corroído por vícios preocupantes e virtudes rarefeitas. Não é á tôa que Ken Watanabe, que salta todo e qualquer clichê de líder duro e inabalável, é – de longe – a maior destas virtudes.

O Último Samurai
The Last Samurai, Alemanha, 2003
Direção: Edward Zwick.
Elenco: Tom Cruise, Ken Watanabe, William Atherton, Chad Lindberg, Ray Godshall Sr., Billy Connolly, Tony Goldwyn, Masato Harada, Masashi Odate, John Koyama, Timothy Spall, Shichinosuke Nakamura, Togo Igawa, Satoshi Nikaido, Shintaro Wada.
Roteiro: John Logan, Edward Zwick e Marshall Herskovitz, baseado na história de Logan. Produção: Tom Cruise, Tom Engelman, Marshall Herskovitz, Scott Kroopf, Paula Wagner e Edward Zwick. Fotografia: John Toll. Edição: Victor Du Bois e Steven Rosenblum. Direção de Arte: Lilly Kilvert. Figurinos: Ngila Dickson. Música: Hans Zimmer (com música adicional de Blake Neely e Geoff Zanelli.

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