O Vencedor é um filme tão quadrado que até agora eu tento entender porque gostei tanto dele. O longa mais convencional de David O. Russell é uma mistura de trama de superação e filme de boxe cuja história reproduz os maiores lugares comuns destes, digamos, gêneros. Parece ser um eco de tudo o que já foi feito antes. E o mais esquisito nesse processo inteiro é que seu diretor sempre foi chegado a experimentações visuais e estruturais que somem completamente nesse novo trabalho.
Seria amadurecimento ou adequação a um modelo clássico de contar histórias? Acho que um pouco dos dois, mas o mais importante é que O. Russell parece ter encontrado o segredo da fórmula. Primeiro, sua história cheia clichês, que ainda responde ao perigoso “baseado em fatos reais”, ganha contornos e densidade no roteiro que assume sua linha documental, onde o doc da HBO que o filme mostra vira auto-referência, e procura trabalhar com o drama no modo reserva para evitar espetacularizar vício e pobreza.
É exatamente o contrário de filmes como Preciosa, que carregam seus personagens com as dores e os males do mundo, e perdem o foco. O Vencedor insere seus protagonistas num contexto de decadência do norte-americano médio e consegue fazer de sua pequena história um retrato de um universo de estupidez e ensimesmamento que reflete o miolo do país. A cena em que o casal de namorados vai ao cinema ver um filme espanhol sintetiza bem isso. Nem mesmo uma vitória no ringue serve para que as coisas mudem de verdade.
E O. Russell aos poucos revela que seu filme não é tão simples assim. Na sequência da grande luta, o filme assume camaleonicamente o formato de uma transmissão esportiva de TV. Uma narrativa que faz concessões mínimas aos momentos de ficção para não desdramatizar completamente a história. Mas o mérito deste filme não está exclusivamente no roteiro e na direção, mas mora muito no elenco impecável, do qual Mark Wahlberg – muito bem, embora seu personagem bobão confunda a avaliação sobre sua interpretação – é o protagonista.
Amy Adams, Melissa Leo e Christian Bale acrescentam tantas camadas a seus personagens que a mocinha altiva, a mãe manipuladora e a promessa que não deu certo se tornam descrições simplórias e genéricas que não conseguem abocanhar nem um décimo suas performances poderosas. E sobre Bale, eu, que sempre falei mal dele e de suas limitações, bato na boca. É a interpretação menos óbvia, mais complexa e surpreendente do ano. A cena em que ele entra no carro e canta “I Started a Joke” esfaqueia corações. Ao contrário de outros filmes sobre voltas por cima, cheios de esperança, O Vencedor parece mais disposto a acreditar no conformismo e na desilusão.
O Vencedor
[The Fighter, David O. Russell, 2010]
Valeu, Ailton. Eu gostei muito mesmo.
Melhor texto que eu já li sobre o filme. Queria ter escrito tão bem assim, até porque concordo com praticamente tudo que você escreveu. O VENCEDOR segue sendo o meu segundo preferido dos indicados ao Oscar. Mas se for levar em consideração os sentimentos, é o primeiro.
Adoreeeeeeeeei a frase “a cena em que ele entra no carro e canta I Started the Joke esfaqueia corações”
Concordo com você, é dificil dizer porque é tão bom dado sua “quadradice” só sei que é muito bom.
O filme é ótimo e eu não sei por que, é o melhor filme “quadrado dos últimos tempos”.
Parabéns Chico,por sua critica e por mostrar que é um profissional correto.Muitos hoje em dia não dão o braço a torcer em suas opniões,ou por orgulho ou para rivalizar com alguém.Nunca gostou muito de bale em seus filmes,mas agora o achou otimo e disse sem medo.alguns falariam:estão exagerando sobre esta atuação,é uma atuação normal,etc.Na minha humilde opnião estes seriam os vencedores do oscar de FILME:o vencedor,DIRETOR:cisne negro,ATOR:discurso do rei,ATRIZ:cisne negro,ATOR C/:o vencedor,ATRIZ C/bravura indomita.