Onde Vivem os Montros

Spike Jonze estreou no cinema há mais de dez anos, mas só assinou três longas nesse período. Os dois primeiros, Quero Ser John Malkovich e Adaptação, lançados entre 1999 e 2002, foram recebidos com entusiasmo. Pelo primeiro, concorreu ao Oscar de melhor direção. No segundo, conseguiu trabalhar com Nicolas Cage e Meryl Streep. Nesses tempos áureos, Jonze era o futuro de Hollywood, o garoto-prodígio que comandava os devaneios do roteirista Charlie Kaufman. A dupla de malucos se completava. Kaufman dava substância a Jonze e Jonze dava direção a Kaufman. Seus dois trabalhos eram, ao mesmo tempo, ousados, irônicos, desmontavam narrativas em forma de grandes brincadeiras.

Mas depois desses dois encontros bem-sucedidos, a dupla seguiu caminhos diferentes. Kaufman voltou a trabalhar com Michel Gondry e estreou como diretor. E Jonze se dedicou aos videoclipes que inauguraram sua carreira, além de curtas e documentários. Somente sete anos depois de seu último longa, Spike Jonze resolve retomar sua carreira como cineasta. E seu terceiro filme é seu trabalho mais corajoso. Sem o conforto de ter um dínamo criativo como Kaufman a seu lado, o diretor, pela primeira vez, se arriscou na assinatura do roteiro de um longa seu, trabalho dividido com Dave Eggers. Como se não bastasse, Jonze resolveu comandar a adaptação de um livro infantil. Detalhe: um livro infantil cujo texto integral tem cerca de quinze frases.

Quem leu o clássico de Maurice Sendak (e isso se faz em três minutos) percebe já nas primeiras cenas que o livro é pouco mais que uma sinopse, ou sendo mais justo, pouco mais do que uma inspiração para o filme. Nas mãos de Jonze e Eggers, cada frase ganha prólogos e epílogos, nuances e sub-tramas, significações e contextos. Pelo menos, 90% do que se vê na tela é material novo, apesar do respeito absoluto à obra de Sendak. Onde Vivem os Monstros, no entanto, guarda duas proximidades com os outros filmes de Spike Jonze: o amor pelo lúdico e a falta de concessões. O primeiro ponto aqui é metabolizado pela própria natureza da literatura infantil. O diretor sabe administrar as passagens entre planos factual e fantástico com uma singeleza que falta a seus outros filmes.

Quanto a falta de concessões, o filme é radical. Jonze não admite que elemento externo algum macule a viagem íntima de seu personagem. O diretor assume por sua conta e risco o conto de fadas e explora todas suas possibilidades. No mundo de hoje, dominado por avatares e experiências visuais, Onde Vivem os Monstros usa os efeitos especiais apenas como suporte para legitimar seus personagens. São tão discretos que podem passar facilmente despercebidos. Jonze ainda dispensa o CGI para criar o visual dos monstros. Figurinos enormes e pesados dão ao filme um caráter retrô que não apenas reafirma a obra de Sendak, como homenageia todo o cinema infantil da era pré-digital, saudado também pela linda trilha de Carter Burwell e Karen O dos Yeah Yeah Yeahs.

Mas o mais radical no novo filme de Spike Jonze não está no formato e sim na sua proposta. Como nas brincadeiras de antigamente, a aventura do garotinho Max (interpretado pelo pestinha Max Records, provavelmente o nome mais cool de um ator em 50 anos) vai até o fim. Ela só acaba quando Max fica cansado (quer uma razão mais justa?) e resolve procurar conforto. Até então ele já nos ajudou a embarcar numa viagem com gosto de uma infância que as gerações de hoje e de amanhã nunca saberão como é. Não porque antes era melhor ou pior, mas porque hoje é de outro jeito.

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[Where The Wild Things Are, Spike Jonze, 2009]

Comentários

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15 comentários sobre “Onde Vivem os Monstros”

  1. o filme mostra a realidade das crianças de hoje, muitas vezes perdindo atenção dos pais , que na verdade pensão só em dinheiro, falta amor de muitos pais. Então o garoto constroi em sua mente um mundo imaginavel.

  2. Para Tiago Ramos. Belas palavras colega, contudo, este mundo não existe mais. Não existe mais essa criança que inventa uma viagem interplanetária e pousa a nave no quintal prá ir jantar… As crianças hoje vivem de pouquíssimas fantasias… A mensagem do livro em si é muito boa. E foi sim conseguido transportá-la para a tela. Mas este filme era para ser um curta-metragem. Pouquíssimos vão aguentar ver o filme até o final e com certeza vão sair do cinema decepcionados.

  3. Where the Wild Things Are é provavelmente o filme familiar, mais genuíno, ingénuo e simples que tivemos oportunidade de ver. É uma viagem e tanto para nós adultos, um brilho nos olhos para as crianças. É sobretudo uma vontade incoerente de voltar a tal fase, encontrar um tal sítio de coisas selvagens, para depois voltar – ainda a tempo do jantar.

  4. no cinema o zé povinho só que assistir
    batalhas,explosões,efeitos mirabolantes.
    adora o filme antes mesmo de assistir por que tá midia,por que tem atores e atrizes bonitinhos,etc.zé povinho não quer pensar,refletir,usar o cerebro na verdade.

  5. O formato clipado do Jonze me incomodou. Acho que faltou consistencia aqui do mesmo jeito que faltou tique de diretor para o Kaufman em SINÉDOQUE. A soma dos 2 daria em 1 filme que eu provavelmente adoraria.

  6. Depois que li esse texto só aumentou mais o meu gosto por esse filme, após ouvir muitas criticas, pessoas dizendo que sairam no meio da sessão,etc etc.Como pode um filme tão simples e objetivo e bom(digo em fatores de filmagens e tudo mais)as pessoas odiarem ele, não entendo mesmo! E atire a primeira pedra quem nunca brincou sozinho com a ajuda da propria imaginação.
    E to no aguardo, saindo em dvd vai ser comprado com muito carinho!

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