Em tempos de discussão sobre cultura do estupro, assistir Paulina é essencial. Mesmo que seja para não gostar. O filme argentino, coproduzido pelo brasileiro Walter Salles, ganhou o prêmio da Semana da Crítica em Cannes muito por causa das polêmicas que alimenta em relação à violência sofrida por sua protagonista. Santiago Mitre, roteirista de três filmes de Pablo Trapero, sabe bem como levar os dilemas ao extremo, alimentando cada situação com uma postura discutível de sua protagonista, que ganhou uma ótima intérprete em Dolores Fonzi, que tinha o principal papel feminino de Truman, que fez sucesso no circuito de arte brasileiro. Um dos pontos delicados do longa é quando percebemos o quanto Mitre é afeito a truques: ele abre o filme com uma discussão ideológica entre pai juiz e filha, que quer largar uma carreira promissora para fazer trabalhos sociais numa região pobre, afastada dos grandes centros. Esse dilema parece que vai estar na espinha dorsal da trama, mas Mitre transfere as discussões para uma questão mais impactante, a da violência sexual. Aborda todos os aspectos e tenta frustrar as expectativas do espectador com comportamentos e reações de Paulina. O longa é um remake de La Patota, de 1960, mas o filme original tinha uma diferença fundamental em relação ao trabalho de Mitre: a Paulina de 50 anos atrás era bastante religiosa, bem diferente da intelectual encarnada por Dolores Fonzi, o que ajudava a entender as decisões da protagonista. Um jogo um tanto maniqueísta, mas ainda assim interessante.
Paulina ½
[La Patota, Santiago Mitre, 2015]
Discutimos Paulina no episódio 26 do Cinema na Varanda.