Desde seu longa de estreia, O Retorno, de 2004, o cinema do russo Andrey Zvyagintsev trafega entre a denúncia dos males do mundo e os efeitos da dor que sente o ser humano devassado por estes males. Parece tudo a mesma coisa, mas, no primeiro caso, o alvo é a exposição, o simples desejo de revelar, propagar, difundir suas acusações, que quase se tornou um gênero cinematográfico. No segundo, há um passo adiante, que busca a problematização, quando o autor parece realmente interessado em discutir as questões que apresenta.

Quando consegue alcançar seu segundo alvo, o cineasta chega a seus melhores resultados, caso de seu primeiro filme e de seu longa anterior, Leviatã. Quando parece estancar no problema e não necessariamente em suas consequências, ele passa a substituir o que seriam discussões mais profundas por um retrato de malvadezas ou um jogo de tortura dos personagens. Em ambos os casos, recorrendo a um excesso de estetização, como fez em Elena e no novo Sem Amor, Zvyagintsev aceita o risco e assume a banalização, transformando suas histórias em lições de moral tortas, como se ele detivesse o poder do julgamento.

Sem AmorO filme – que quase provocou tiro, porrada e bomba por ter uma sessão única na Mostra de Cinema de São Paulo – estabece seus vilões, um casal em processo de divórcio, nos primeiros minutos para deixar claro quais são os culpados pelo que acontece nas duas horas que vêm a seguir. Com as pessoas que o espectador deve odiar bem definidas em sequências maniqueístas que os classificam como apáticos ou amorais, ou os dois, Andrey Zvyagintsev pode dedicar seu talento para enquadrar, mover a câmera, encontrar planos bonitos para emoldurar a perplexidade da história, que, na melhor tradição do cinema social europeu, vira uma grande metáfora do país, a Rússia, através dos personagens (acusados, julgados e condenados como seres escrotos), caracterizados da maneira mais linear possível, sem qualquer nuance.

Em maior ou menor grau, o diretor sempre trabalhou com este mecanismo, mas diferentemente de seu último filme, Leviatã, em que ele mergulha em personagens mais sólidos por meio de uma trama igualmente mais consistente (e consegue dar seu depoimento sobre como as coisas acontecem por aquelas bandas), neste a metáfora parece ser vendida como uma grande sacada, como se Zvyagintsev se gabasse de estabelecer um espelho num microcosmo tão distante do objetivo final do filme.

Também é grotesco como ele usa o sexo como elemento “do mal” no novo longa. As sequências de introdução de cada um dos personagens do casal principal terminam com cenas de sexo que dão uma espécie de “palavra final” sobre o caráter de cada um deles e de sua relação com o filho. Se existe alguma tentativa de humanizar os protagonistas, ela acontece tarde demais, quando o sentimento mais forte em quem assiste ao filme já é o de que eles merecem punição pelos crimes cometidos. É lamentável desperdiçar personagens que poderiam ser bem complexos em decisões maneiristas e rasas que parecer servir unicamente para fazer valer o clamor por vingança neste mundo dominado por fundamentalismos.

Sem Amor EstrelinhaEstrelinha
Nelyubov, Andrey Zvyagintsev, 2017

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