Sweeney Todd

Chegou o momento de uma confissão, algo escondido lá no fundo que agora precisa ser revelado: eu nunca gostei muito do Johnny Depp. Ícone de uma geração, da minha geração, esse ator atravessou duas décadas alimentando um mito de outsider que abafava a maneira caricata como interpretava. Sua canastrice nunca me convenceu. O tom farsesco e afetado que ele resolveu adotar para sempre me incomoda e, a meu ver, só funciona de verdade em dois filmes. Filmes que permitem esse exagero e essa superficialidade. Um deles é o belo Ed Wood, onde a afetação ganha ares de homenagem e reverência, e o outro é a comédia boba Don Juan de Marco, cujo personagem é um Munchausen que vive imerso em seu próprio universo de mentiras. O melhor Depp até hoje.

Até hoje.

Já na primeira cena de Sweeney Todd, o ator se revela diferente. Os elementos que o fizeram famoso estão todos lá, mas, desta vez, nos lugares e nos tons certos. Mas o que mais impressiona é que Depp, afeito à brincar de interpretar, escolhe soluções mais maduras para cada uma de suas expressões. Duvidei a cada minuto que ele fosse segurar a onda durante todo o filme. Estava enganado. Johnny Depp está genial como Sweeney Todd. Finalmente, um ator de verdade. O maior reflexo disso é que os atores que o cercam e que ancoram seu personagem também se vêem desobrigados de perseguir a afetação. Helena Bonham Carter é quem mais encanta, num papel que é um misto dificílimo de vilã e mulher apaixonada, com direito a uma ‘escolha de sofia’. A seqüência em que seus sonhos vêm à tona é deliciosa, o ‘momento sunshine’ do filme.

‘Sunshine’ porque Sweeney Todd é um filme literalmente nascido nas trevas. A fotografia preta, que no começo incomoda pelo ‘excesso de maquiagem’ se revela um suporte óbvio para a incursão de Tim Burton no universo musical de Stephen Sondheim. Incrível como dois autores tão à parte conseguiram encontrar tantos pontos em comum em suas obras. Sondheim, usando a mesma técnica de composição que lhe encheu os bolsos, em versão dark se transformou num irmão gêmeo para Burton. Num filme musical – literalmente já que os atores cantam em 90% das cenas -, Tim, pouco amigo do realismo, do naturalismo e da verossimilhança, encontrou seu mundo fantástico mais uma vez. Ou o ajustou para algo próximo a isso. E aqui ele deita e rola.

Sweeney Todd é bem menos arriscado do que o que se costuma esperar dos filmes de Tim Burton. Com a base sólida do musical original e um elenco muito à vontade, sua direção cresce, amadurece e o cineasta passa a trabalhar hum patamar, digamos, menos infantil, e mais sério. Algo como o que aconteceu com Pedro Almodóvar a partir de A Flor do Meu Segredo. Ele respeita toda sua bagagem e, experimentando menos, aprimora seus pontos fortes. Da mesma maneira que a interpretação de Johnny Depp aqui não tem par, o filme ganha uma consistência até então inédita na fimografia de Burton. Talvez seja sua obra-prima, mas algo me diz que ele ainda vai além.

Sweeney Todd: o Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet Uma estrelaUma estrelaUma estrelaUma estrela
[Sweeney Todd: the Demon Barber of Fleet Street,  Tim Burton, 2007]

Comentários

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27 comentários sobre “Sweeney Todd: o Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet”

  1. Achei Sweeney Todd sensacional, mesmo. Uma obra completa, um bloco impressionante de coerência trágica e maestria artística. Só discordo da crítica ao Depp: acho que ele sempre foi bom, você é que não reparou! Escrevi sobre o filme também, mas partindo de um comentário mais a respeito da construção formal… o texto está em meu blog, convido-o a uma visita. um abraço.

  2. Bom, talvez eu reveja. Mas, por mais que me digam que Sondheim é genial, talvez a mistura de gótico e musical tenha me lembrado… Andrew Lloyd Webber?

    Mas, pensando bem, sem exageros, cortava a música da introdução da HBC (inútil), a da garota na janela (besta) e tirava as musiquinhas diálogo.

    Musical com música demais, a não ser que tenha sentimento de sobra em sintonia com as canções (um Demy da vida), acaba aborrecendo. A m´suica tem q ser clímax, não rotina. Quer dizer, vem uma música chata (poor thing), q quando chega a música boa a gente já está de saco cheio.

  3. Seria muito, muito melhor se não tivesse música. É o tipo de música que não joga o filme para frente, e deixando ele estático, não dá em troca nem dinâmica nem sentimento. O resumo disso tudo é a cena da raiva, Depp correndo pelos becos pedindo pescoço. Quando o número acaba, HBC olha com aquela cara de “e daí?”. Perfeito. E daí? Pra quê?

    Se vc tem música, a palavra não pode ser suficiente, mas em ST, ela basta. A música é só excesso (Excesso diferente das maluquices de Burton, claro). Com exceção da meia hora final, zzzzzzzzzzzzzz.

  4. Em Janela Secreta, pelo menos na minha opinião ele não foge muito do que o Chico falou. Na verdade, eu não gosto muito do filme em si, cujo o final é possível farejar já na metade. Quanto a eu não ir muito com a cara do Depp… A princípio, eu acreditava que o Depp fazia o estilo quero-ser-cool, fugindo de certos estereótipos hollywoodianos unicamente para fortalecer essa imagem, mas hoje eu vejo que o maior problema mesmo está nesse mito que criaram em torno da figura dele. Por isso eu o considero superestimado. E concordo com o Chico quando ele fala sobre o tom farsesco afetado. Mas sempre acreditei que se ele fosse menos caricato poderia entregar uma boa atuação. Vamos ver com Sweenwy Todd, ainda preciso ver o filme.

  5. É legal ver mudanças de pensamentos de acordo com o trabalho do ator… Johnny Depp é genial, e isso não entra em questionamento. Pois como vê, até mesmo quem não apreciava acaba aceitando que realmente suas qualidades é imbatível.
    Enfim, assim como neste filme, que ainda não tive a oportunidade de ver, acho que em Janela Secreta ele foi simples e bastante eficiente sem mudar drasticamente seu personagem como em outros filmes.

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