O kitsch está na espinha dorsal do último filme de Steven Soderbergh. Terapia de Risco tem uma daquelas tramas que se revelam aos poucos, transformando o drama de uma protagonista com problemas psíquicos num suspense cheio de reviravoltas e planos secretos, dignos dos filmes que passavam no Supercine. Soderbergh dedica boa parte de sua realização a criar elementos que possam tornar o filme consumível para um público televisivo, acostumado a marcações mais claras e personagens unilaterais, travestidos por disfarces que não revelam nuances, apenas atrapalham a visão inicial. O longa, se o diretor cumprir a promessa desta vez, deve ser um dos últimos trabalhos de sua carreira. Um projeto pequeno e pouco significativo para um homem que já entregou filmes como sexo, mentiras e videotape e Irresistível Paixão.
Rooney Mara, que tem cenas boas no começo do filme, é uma mulher com fortes transtornos psicológicos que passa a ser tratada por um psiquiatra, papel de Jude Law, afeito a novos medicamentos. O desdobramento desta relação é o que vai mover a história. Antes de transformar seu filme num thriller com uma trama macabra, Soderbergh parece fazer uma reflexão a respeito da indústria farmacêutica e da hipocondria que domina a sociedade atual. Mas seu discurso não segue muito adiante e nem tem muita relevância e é rapidamente substituído por algo que possa entreter melhor o espectador.
Parece uma lógica de novela que vem perdendo pontos no Ibope e passa por uma adequação aos gostos do público. Os envolvidos parecem orgulhosos da arapuca armada para quem assiste ao filme, mas os movimentos da trama não passam de reprises de dezenas de outros filmes (que vimos, inclusive, no Supercine). A escalação do arroz-de-festa Channing Tatum, o típico galã do interior, e a personagem de Catherine Zeta-Jones são as provas principais deste namoro de Soderbergh com o kitsch. Nas cenas de festa, ele parece um daqueles mocinhos de romance feminino de banca de revista. A psicóloga interpretada por Zeta-Jones é concebida, desde o começo, como uma mulher que tem algo a esconder, desde o figurino de executiva série B até a maneira como prende o cabelo, sem falar no texto cheio de dubiedades.
Talvez estas dubiedades representem a herança que o cineasta vai deixar. Para cada filme sóbrio ou pelo menos acertado, Soderbergh faz trabalhos que não chegam a lugar algum. Os efeitos colaterais de filmes como Terapia de Risco podem fazer com que a memória do cinema deste diretor permaneça nos lugares errados.
Terapia de Risco
[Side Effects, Steven Soderbergh, 2013]