Metade do ano já foi pro saco e chegou a hora de listar meus filmes favoritos entre os que entraram em circuito. Muita coisa boa chegou aos cinemas brasileiros e o segundo semestre promete ainda mais, incuindo dois ótimos e quilométricos filmes do filipino Lav Diaz. Obedeci apenas meu gosto pessoal, então, podem discordar à vontade, mas sempre com educação, certo?

Foxcatcher

10 Foxcatcher
[Foxcatcher, Bennett Miller, 2104]

De um lado é possível reconhecer um esforço gigantesco do diretor em tornar tudo muito importante. Do outro, esse esforço parece realmente ter capturado um sentimento de estranhamento, como se fosse o filme realmente se realizasse como o prelúdio de uma tragédia. Foxcatcher talvez seja incômodo por seu diretor ter encontrado a maneira mais fiel de apresentar homens verdadeiramente tristes, buscando uma maneira de materializar o vazio de suas vidas, revelando para a América o que os americanos têm de mais frágil.

A Gangue

9 A Gangue
[Plemya, Miroslav Slaboshpitsky, 2014]

Se ficarmos no clichê, A Gangue é uma monumental “experiência sensorial”. Afinal, qual foi a última vez que fizeram um filme de 132 minutos completamente “falado” em linguagem de sinais? A proposta parece assustadora, mas é exatamente disso que se trata o projeto: derrubar pré-conceitos. Nas primeiras imagens, o letreiro informa que o filme não trará legenda alguma para traduzir os gestos que os personagens do longa, principalmente garotos e garotas que moram numa espécie de internato para surdo-mudos, fazem para se comunicar. Ao espectador comum, é oferecida a experiência de ver o filme em condições semelhantes às que um deficiente auditivo assiste a um longa “normal”. Mas o que poderia se transformar num experimento típico de festival de cinema se revela um filme poderoso sobre jovens que raramente encontram “voz” numa Ucrânia dominada, nos mais variados níveis, pela corrupção.

Divertidamente

8 Divertidamente
[Inside Out, Pete Docter & Ronaldo Del Carmen, 2015]

A ideia central de Divertidamente, mapear o funcionamento da mente de uma pessoa, personificando as principais emoções que comandam o cérebro, poderia ser executada no modo engraçadinho e, ainda assim, seria um sucesso. No entanto, a Pixar tinha ambições bem maiores e, depois de patinar por cinco anos em filmes “menores”, voltou a tratar o material com seriedade. O resultado é uma exame detalhado e sensível das transformações de um ser humano. Ao mesmo tempo que mantém o humor afiado, exigência para qualquer animação que pretenda conquistar seu público, o roteiro lida com situações delicadas com tanto equilíbrio e inteligência, inclusive quando precisa ser cruel, que vira uma tradução muito sincera dos sentimentos de uma criança.

Um Ano Mais Violento

7 Um Ano Mais Violento
[A Most Violent Year, JC Chandor, 2014]

Deveria ser um filme de máfia, mas a ação é quase um sujeito oculto neste novo filme de JC Chandor, novamente às voltas, com a luta do homem contra o status quo. Oscar Isaac emula Al Pacino assim como a direção de fotografia remete às cores de um épico de Coppola, mas o diretor se mostra mais interessado em dissecar a situação pelo avesso. Chandor não vê muita escapatória para os problemas em que o protagonista está mergulhado. Parece obcecado, isso sim, em entender como um homem comum reage e enfrenta o sistema. Sua visão, talvez um pouco fria, surge também na personagem principal, que discursa contra algo que tem certeza que não pode vencer. Esse drible nas expectativas torna Um Ano Mais Violento menos efetivo e muito mais interessante do que sugeriria qualquer sinopse.

Acima das Nuvens

6 Acima das Nuvens
[Clouds of Sils Maria, Olivier Assayas, 2014]

Se Binoche faz a atriz europeia e veterana que vive à margem dos holofotes e Chloë Grace Moretz encarna a nova mini-diva hollywoodiana, Kristen Stewart tem, na verdade, uma metapersonagem, que catalisa as discussões sobre exposição sem ser uma caricatura da atriz fora das telas. O casting de Stewart é excelente e faz com que ela própria questione sua persona pública e exerça uma espécie de direito de resposta à maneira como a mídia a trata, uma escolha corajosa da atriz em aceitar alguns diálogos que se referem diretamente a sua vida pessoal.

Dois Dias, Uma Noite

5 Dois Dias, Uma Noite
[Deux Jours, Une Nuit, Jean-Pierre Dardenne & Luc Dardenne, 2014]

Embora guarde todos os elementos de seus filmes mais célebres, como a câmera orgânica, as interpretações naturalistas e o tempo contínuo, este longa talvez indique uma virada dos irmãos Dardenne em direção a um público mais amplo. É a primeira vez que eles recorrem a um intérprete que não nasceu na Bélgica como protagonista de um filme. Marion Cotillard mudou seu acento e se revelou uma escolha acertada para viver a mulher que, para recuperar seu emprego, tenta convencer seus colegas a votarem contra um bônus que só será concedido se ela for demitida. Os Dardenne continuam sua sina de analistas da Europa contemporânea, desta vez discutindo bem especificamente a crise financeira do continente e o impacto na vida do cidadão comum. Os interesses individuais são confrontados com os interesses do mercado numa luta desigual pela sobrevivência.

Selma

4 Selma
[Selma, Ava DuVernay, 2014]

O filme não é sobre uma luta étnica ou religiosa (ou também é). Nem procura revelar o Messias escondido em Martin Luther King (ou também revela). Selma é, sim, um filme edificante e inspirador porque a cineasta consegue traduzir e reverberar a jornada do protagonista pelo que ele acredita. O espectador é conquistado pela identificação. DuVernay cria uma obra sobre a humanidade em cada um de nós. Dignifica o trabalho Martin Luther King sem necessariamente vendê-lo como herói, mas entende sua batalha como ser humano. E David Oyelowo merece os maiores créditos. Recria um homem imenso da maneira mais discreta, simples e bonita possível.

O Pequeno Quinquin

3 O Pequeno Quinquin
[P’tit Quinquin, Bruno Dumont, 2014]

O Pequeno Quinquin incomoda muito mais do que qualquer coisa. É difícil não se abalar com algumas das opções de Bruno Dumont para esta minissérie para a TV francesa, convertida num filme de 200 minutos. Ao contrário do que se poderia imaginar pela imagem de filme infantil, o cinema e os debates do Bruno Dumont aparecem nesta nova obra e mais firmes do que nunca. Todas as questões religiosas, todas as dúvidas espirituais, todos os conflitos, sobretudo o medo do Mal, crescem à medida que descobrimos que Quinquin não é o protagonista do filme. Dumont utiliza a personagem para se aproximar de elementos que o assombram, como se a maldade inocente das crianças aliviasse essa proximidade.

Mad Max: Estrada da Fúria
2 Mad Max: Estrada da Fúria
[Mad Max: Fury Road, George Miller, 2015]

George Miller teve trinta anos para reimaginar Mad Max e o fututo. E o cineasta australiano foi buscar as raízes de seu guerreiro do fim do mundo, trituradas pela máquina hollywoodiana quando a franquia migrou para os Estados Unidos no, então, último filme da série. O desafio do diretor, do alto de seus 70 anos de idade, foi enorme: resgatar a essência da personagem, remodelar o pós-apocalipse aos olhos e exigências atuais e, mais do que tudo, descobrir o tom certo para o cinema de ação dos dias de hoje. É impressionante como o diretor, já na primeira aparição do protagonista, joga o espectador numa sequência ininterrupta de cenas de ação e só o devolve para a vida real depois que o filme acaba.

Leviatã

1 Leviatã
[Leviathan, Andrei Zvyagintsev, 2014]

A gigantesca carcaça do Leviatã ainda assombra um vilarejo russo onde tudo parece estar fadado ao fracasso. O monstro marinho, descrito no Antigo Testamento, é a alegoria escolhida pelo cineasta Andrei Zvyagintsev para escancarar seu pessimismo em relação a seu país, um estado de descrença que persegue e se transforma em principal temática de seu cinema. Para o diretor, a corrupção se instalou na coração da Rússia e se espalhou como metástase pela política, pela justiça, pela igreja e pela moral. Um exército cruel e onipresente que cerca e atropela os elementos dissonantes. O novo filme do cineasta é como uma profecia bíblica que não guarda muita salvação para seus protagonistas.

No fim das contas, três longas brasileiros foram considerados, mas terminaram saindo da relação final: Últimas Conversas, de Eduardo Coutinho; Casa Grande, de Fellipe Barbosa, e A História da Eternidade, de Camilo Cavalcante. Entre os estrangeiros que também chegaram perto, estão Whiplash, de Damien Chazelle; O Amor é Estranho, de Ira Sachs; e Kingsman: Serviço Secreto, de Matthew Vaughn. A lista completa dos filmes vistos no circuito em 2015 está aqui, na ordem de preferência.

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14 comentários sobre “Top 10: os melhores filmes do primeiro semestre”

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