A lista abaixo é um resumo do melhor eu vi em 2009 no cinema. Valem apenas os filmes que estrearam em circuito. Reduzi o número de filmes para 20 porque, por mais que haja outros bons títulos, eles não chegaram a me envolver, emocionar ou me representar tanto quanto os que eu cito a partir de agora. Minha lista só faz sentido para mim mesmo porque há milhares de possibilidade de interpretar, entender e sentir um filme. O chato seria se todo mundo pensasse igual. Portanto, convido-os para listar seus filmes favoritos de 2009 nos comentários. E vamos ao que interessa.
Coraline, Henry Selick
Henry Selick abandona de vez o traço que se repete nos filmes do mestre dele, Tim Burton: a Alice de Neil Gaiman, um autor cuja obra o cinema engatinha ao tentar adaptar, ganha um visual menos dark e mais próximo das ilustrações de livros infantis. Na coleção de coadjuvantes esquisitos, é o melhor é o mais normal de todos. Wybie quer ser um bad boy, mas isso só até sua vó o chamar de volta para casa. De, de certa forma, traduz o filme. Burton está sempre presente, mas Selick abre a palheta de cores para fazer uma obra à parte, doce, lúdica.
Rachel Getting Married, Jonathan Demme
Anne Hathaway deixa de lado as mocinhas inocentes que fizeram dela uma estrela e se revela uma atriz de primeira linha com uma personagem que deu uma pausa no rehab para ir ao casório da irmã. O ótimo roteiro foi escrito pela filha do veterano diretor Sidney Lumet, Jenny, que debuta nesta profissão. O texto trata de inúmeras questões de família, mas sabe não se render a lugares comuns, com uma velocidade totalmente própria e soluções simples e inesperadas mesmo para temas explorados à exaustão.
Man on Wire, James Marsh
O Equilibrista é um documentário à moda antiga, sem o ranço atual de fazer o narrador interferir na narrativa. É essa simplicidade que faz o espectador se envolver com sua história, naturalmente atraente. O grande trunfo do diretor foi limitar as entrevistas do personagem principal porque sua tendência a se considerar um astro poderia comprometer o filme.
No Meu Lugar, Eduardo Valente
A fórmula parece gasta (histórias que se entrelaçam e personagens que promovem mudanças nas vidas uns dos outros), mas este filme não faz uso de maneirismos e maniqueísmos como tantos outros. Pelo contrário, Valente constroi com imensa delicadeza cada um de seus personagens e evita fazer juízo de valor sobre suas ações. O resultado é um filme que revigora uma estrutura que parecia viciada e condenada ao denuncismo.
Drag Me To Hell, Sam Raimi
Raimi é o rei do susto. E, convenhamos, isso é básico para esse gênero. O filme recicla (e manipula) zilhões de clichês do cinema de terror, mas tudo é tão bem amarrado, tem uma embalagem tão perfeita, que nada parece velho e, sim, nostálgico. Ao mesmo tempo, não abre mão de soluções trash e não poupa Allison Lohman da melequeira. Esse resgate das raízes, a maneira como Raimi converte os lugares comuns e o final truqueiro – e saboroso – que reproduz a lógica dos filmes de terror fazem desta uma das melhores maldições do ano.
Les Herbes Folles, Alain Resnais
O texto do novo filme de Resnais é de uma fluidez de fazer inveja a muitos realizadores novatos. Resnais conduz tudo com uma leveza impressionante até mesmo quando ganha contornos mais dramáticos mais arriscados. O diretor se alimenta de cada palavra para construir o perfil do personagem de André Dussolier, numa interpretação excelente. Um personagem que se transforma incessantemente. Transformações ousadas, mas que nunca fazem o personagem perder sua humanidade.
Entre les Murs, Laurent Cantet
É justamente por se afastar dos modelos tradicionais de narrativa (seja no gênero ou fora dele) que o filme se torna tão interessante. À medida em que quem assiste percebe essa liberdade (mesmo que vigiada de longe), ver o filme se torna uma experiência muito mais próxima da realidade, onde o imprevisto dita as regras.
Fantastic Mr. Fox, Wes Anderson
Parecia uma experiência mais leve, mas todos os temas de apreço do cineasta estão aqui. Antes de tudo, o filme é um delicioso conto moral com uma animação impecável e assumidamente retrô. Ao mesmo tempo, revigora as ideias de Anderson sobre os laços familiares e de amizade. De história para crianças, o conto se transforma em reflexão universal sobre a vida em comunidade. E o cineasta retoma uma questão fundamental a sua obra: a vida em grupo pode ser suficiente quando se macula a própria natureza?
Lars and the Real Girl, Craig Gillespie
Primeiro: mesmo com um tema arriscado, este filme não trata o espectador de maneira simplista, fugindo da decisão fácil de partir para a comédia idiota, que anda na moda, e evitando ao mesmo tempo outro lugar comum do cinema indie, um certo namoro com o grotesco, tentando vender o filme pelo esquisito, como faz boa parte da produção independente. Ryan Gosling está soberbo no papel principal.
Loki – Arnaldo Baptista, Paulo Sérgio Fontenelle
No meio da produção que mais se destaca na atual cinematografia brasileira, o documentário biográfico musical, este filme é um bálsamo. Paulo Henrique Fontenelle impõe ao filme um ritmo doce e é hábil em construir cenas que abusam da sensibilidade, mas sem excessos. O diretor ainda supre a falta de uma personagem central, Rita Lee, da forma mais digna possível: apresentando seu papel e seu lado da história com respeito.
Politist, Adj., Corneliu Porumboiu
O segundo longa do diretor vai mais além em sua análise da sociedade romena, tratando da burocracia policial. Porumboiu contraria as expectativas, deixando a investigação feita pelo protagonista sempre num plano secundário em relação ao cotidiano do personagem. O diretor abusa dos planos fixos, do ritmo lento e do humor esquisito na composição deste cotidiano, buscando estranhamento. O resultado é um filme interessantíssimo, com uma sequência (a que batiza o longa) nonsense e, ao mesmo tempo, fundamental para os propósitos do diretor.
Star Trek, JJ Abrams
A estética nunca está em primeiro plano. Sempre é coadjuvante de intérpretes e do roteiro, o grande interesse de Abrams. O diretor nunca está interessado em desfilar referências nem nunca se escora na mitologia da série. Para ele, foi muito mais importante estabelecer uma história independente, redonda, mas que saiba ser fiel ao universo que audaciosamente resolveu invadir.
Låt den Rätte Komma in, Tomas Alfredson
Raríssimo exemplar de cinema que sabe inserir o fantástico nos modelos clássicos de gênero. É a típica história do garoto perseguido na escola cuja vida ganha uma reviravolta com a chegada de uma menina à vizinhança. A diferença é quem é a mocinha e que segredos ela guarda. O desenrolar do filme segue uma estrutura igualmente clássica, com a aproximação, a revelação do drama e o confronto com os rivais, mas sempre inserindo a isso o elemento extra. Fazer isso na intensidade correta é o maior acerto de Tomas Alfredson.
La Belle Personne, Christophe Honoré
Parece menos ambicioso do que os anteriores, embora seja uma adaptação atualizada do livro de Madame de La Fayette, mas é apenas um reflexo da coerência com seu universo principal, o de um grupo de jovens estudantes. Christophe Honoré desenha neles os futuros personagens de seus longas adultos. Seus dilemas e paixões surgem mais ingênuos e instintivos, mas não menos insinuantes.
Aquele Querido Mês de Agosto, Miguel Gomes
Sem dúvida, o filme mais original a chegar nos cinemas neste ano. Miguel Gomes aposta na indefinição de formato para fazer uma mistura que estuda os limites entre documentário e ficção. A primeira parte, com ênfase na coleta de personagens, é genial, principalmente no equilíbrio entre o humor e o drama. A transição para o que deveria ser o filme em si, a historinha, perde um pouco, embora ganhe com as deliciosas canções. A resolução recupera o frescor original e o filme fecha com um inteligente e bem humorado momento de “discussão de relação” entre a equipe de filmagem. Realmente, um filme único.
Inglourious Basterds, Quentin Tarantino
A conversa entre o fazendeiro e o coronel interpretado por um majestoso e impecável Christoph Waltz é uma daquelas clássicas sequências dos filmes de Tarantino. O texto, ultra-preconceituoso, é tão articulado (e bem interpretado pelos dois atores) que a teoria do nazista desce fácil. A sequência se encerra com mais um dos espetáculos tarantinescos de violência e uma fuga perfeita. O resto do filme é tão adorável quanto. Não deixa de ser curioso que seu filme mais formal seja, por razões outras, seu filme mais ousado.
Se Nada Mais Der Certo, José Eduardo Belmonte
Os protagonistas mergulham num mundo marginal, criminoso mesmo, mas suas integridades nunca são questionadas. Ao diretor, interessa como os protagonistas irão se aproximar, interagir e como seu mundo será representado e redefinido a partir disso. Unidos, eles redescobrem afetos e inventam para si uma nova “família”. É ela em que eles apostam e usam como plataforma e porto seguro. Esta “família” que se forma é a maior atitude política de Belmonte. É quando o cineasta dá um novo sentido ao “todos juntos somos fortes, não há nada a temer”.
The Wrestler, Darren Aronofsky
Não há uma só palavra no filme sobre a aparência de Randy. Mas é justamente este visual, o de um homem que abriu mão de todo o resto para investir na expansão de sua massa muscular, que motiva e justifica O Lutador. O filme só existe porque seu corpo decadente é reflexo de suas escolhas. E o personagem sabe muito bem disso. Randy é um homem consciente da exaustão de seu corpo, de sua decadência como atleta, que decide tentar preservar o que resta de sua carcaça.
Two Lovers, James Gray
Quando Leonard diz que ama Michelle, ele está provavelmente sendo tão sincero como quando beija Sandra pela primeira vez porque nada é tão simples assim nos filmes de Gray. Leonard, de certa forma, catalisa a complexidade de como o diretor enxerga o mundo. Embora nunca se afaste das vizinhanças, o personagem vaga pelo mundo após ser tirado do prumo e se dedica agora a buscar trilhos mais uma vez. Joaquin Phoenix é o maior suporte de Gray. Sem ele, Leonard provavelmente não seria tão complexo, tão bipolar no melhor sentido do termo. É a interpretação Phoenix que faz este ser o filme gigante que é.
Gran Torino, Clint Eastwood
Walt Kowalski representa a Velha América, mas não em tom saudosista ou celebratório. Pelo contrário. O personagem de Clint Eastwood é o de um homem que não tem o menor pudor de ser racista, que se alimenta do próprio rancor, um cara agressivo que vive do (e no) passado. É a Velha América, mas a Velha América falida, de orgulho ferido e refém do resto do mundo e do próprio passar do tempo, que a fez desmoronar. Gran Torino é o melhor presente que o velho Clint nos deu nesta década. Um presente simples, mas tão cheio de nuances escondidas que para percebê-las é preciso olhar com atenção.
P.S.: espero as listas de vocês.
P.S. 2: no dia 5, postarei os indicados para o Frankie, meu prêmio de melhores do ano (onde valem os filmes exibidos em circuito, em festivais e mostras).
Márcio, “A Garota Ideal” é uma pérola mesmo.
Vitor, realmente preciso colocar esta informação. Bom 2010 pra você também. Minha lista dos anos 2000 vai sair só depois da temporada do Oscar para eu poder ver alguns dos filmes mais importantes de 2009. E vão ser 100 filmes na lista.
Eita Chico. Me esqueci desse detalhe. Não sabia que era somente os filmes que estrearam em circuito nacional. Deveras, se for, a minha lista cai vertiginosamente, pois 2009 não foi um ano tão sensacional assim. Citei FOI APENAS UM SONHO porque o filme me deixou comovido emocionalmente, deixei de lado os outros critérios. Um abraço Chico e FELIZ 2010, tomara que esse seja um inicio de uma década bem mais rica que a anterior e bem mais justa para o cinema. E agradeço muito pelas informações no blog não tem um só dia que eu não deixe de passar aqui. Falta agora uma lista dos melhores da década. Um TOP50.
Bela lista. Porém os 4 primeiros colocados não chegariam a entrar na minha lista de favoritos. Não pude assistir a 5 desses 20 filmes.
Meus favoritos são:
A Partida
Distrito 9
Bastardos Inglórios
A Garota Ideal
Entre os Muros da Escola
Gigante
Watchmen – O Filme
Quem Quer Ser Um Milionário?
Foi Apenas Um Sonho
Operação Valquíria
Intrigas de Estado
Apenas o Fim
“Gran Torino” é um filme lindo. Merece listas em vários anos. E tem vaga garantida entre os melhores da década.
Bela lista….eu cometi o erro de ver gran torino ano passado sendo o primeiro do ano. Mas como todos consideram deste ano, repeti de novo, porém em segundo.
Valeu, Jr.
Tô indo conferir a sua agora, Vlad.
Vitor, alguns dos filmes que vc citou não estrearam no cinema. Eu limitei minha lista ao que entrou no circuito. “Guerra ao Terror” e “Hunger” estariam numa lista ampliada. Eu gosto de “Avatar”, mas não a ponto de colocá-lo num Top 20. E acho “Foi Apenas um Sonho” mais ou menos.
Ótima lista!
Alguns ainda não vi, dentre eles os nacionais.
Destaco “Deixa Ela Entrar”.
O que é aquela sequência da pisicna, hum? Fenomenal!
Abraço e Feliz ano novo!
Não tem o que se discutir. Lista é lista, e acho que a de cada um será sempre pautada pela emoção, assim como a minha. Estes foram os filmes de 2009 queme deixaram boquiaberto. Chico, não vai falar de FOI APENAS UM SONHO e nem de AVATAR.
Gran Torino
Lunar
Mother
Entre Os Muros da Escola
O Lutador
Distante Nós Vamos
Milk
Rio Congelado
Guerra Ao Terror
Bastardos Inglórios
Hunger
O Casamento de Rachel
As Ervas Daninhas
Quem Quer Ser Um Milionário?
Distrito 9
500 Dias Com Ela
Aconteceu em Woodstock
Dúvida
As Ervas Daninhas
Avatar
Foi Apenas Um Sonho
Os dois primeiros da sua lista coincidem com os da minha, não tem jeito, são mesmo os melhores do ano. De resto, alguns eu não vi e o único que não gosto é O Casamento de Raquel.
Chicó, que bela lista. Gosto muito dos filmes citados até agora.