Pois bem, vejam só: o cara tinha 25 anos e já era um revolucionário. Fez polêmica no teatro, fez a ficção invadir as casas das pessoas no rádio e, por fim, migrou para o cinema para redefinir tudo. Boa parte dos cineastas dos anos 60 para cá devem amaldiçoar a figura do diretor de Cidadão Kane. Depois que o longa, a estréia do geniozinho, começou a encabeçar as listas de melhores filmes da história, a cobrança pelo primeiro trabalho em celulóide (ou digital ou o que quer que seja) é cada vez maior.
No Brasil, há o agravante do ranço histórico deixado pela cinema novo: a necessidade de posicionamento social do cineasta. O autor precisa ser engajado. É isso que tentam três novos diretores brasileiros, que fizeram suas estréias em longa-metragem em 2004. Roberto Moreira, Heitor Dhalia e Alexandre Stockler tentam ser definitivos, explorando, sobretudo, a miséria e a falta de perspectivas do país em que vivem.
O exemplo mais perfeito é o de Amarelo Manga, onde o pernambucano Cláudio Assis, sob a égide da denúncia, propõe abrir as entranhas da “sociedade burguesa, porca e capitalista”, mas se cristaliza como propaganda para o diretor. Neste sentido, Contra Todos, do professor da USP Roberto Moreira, bebe da mesma fonte. Tem o que se pode chamar de espírito universitário, aquela vontade maior que tudo de ser revolucionário, de revelar, de se revoltar contra a mediocridade do mundo de hoje.
E Moreira vai mais além. Enquanto o filme de Assis ainda tem méritos enquanto cinema, enquanto filmagem, enquanto criação, Contra Todos se pretende realista, urbano, verdadeiro. E para isso se prende a uma das mais furadas táticas dos últimos tempos: a câmera na mão virou uma maldição. E a de Moreira é uma câmera digital, mais, digamos, livre de filtros, seca, dura, naturalista, tosca. O retrato de uma família que vive na periferia paulista vira espetáculo de estripulias visuais rasteiras de menino revoltado. Parece gratuito quase o tempo todo. Não fosse os desempenhos dos atores (salvo o fraquíssimo, fraquíssimo, fraquíssimo protagonista) seria quase nulo. E a falta de foco, a falta de objetivo é o que mais impressiona. O filme é sobre nada ou o diretor acredita que a vida à margem das grandes cidades é nada.
Heitor Dhalia, diretor de Nina, tem uma visão parecida sobre quem vive no coração das metrópoles: a falta de propósito é regra para a motivação dos personagens. E no filme o que não falta é personagem. Os coadjuvantes da protagonista são tantos que você não consegue entender muito bem qual o motivo de eles estarem lá, além de vender o filme com as participações de atores globais. A intervenção de Matheus Natchergaele e Lázaro Ramos é risível. A de Guilherme Weber, latindo para a porta, não funciona.
Além disso, Nina é um filme de plástico. Não tem nenhum sabor. Histriônica e com uma expressão só (veja a foto), Guta Stresser, a chatinha do seriado A Grande Família, se perde no limbo dos personagens alternativos. Moderninha, não faz nada na vida e não faz nada para mudar isso, posa de sofredora dos abusos da dona do apartamento onde aluga um quarto, vivida pela boa Miriam Muniz, que morreu recentemente. Tudo no filme é construído para impressionar: a fotografia usa filtros demais, a montagem tenta significar demais (e não consegue), a cenografia é artificial demais. Nada funciona muito enquanto reforço dramático, já que a adaptação livre de Crime e Castigo, de Dostoiévski, não passa de pesadelo light de neuróticos da grande cidade. Sobra somente o inegável talento do desenhista Lourenço Mutarelli, única grande sacada do filme.
E há Cama de Gato. Alexandre Stockler cometeu o filme mais equivocado dos últimos tempos no cinema brasileiro. Um filme digno de estudante secundarista que ganhou uma câmera digital do papai riquinho. Rodado com a única intenção de dizer que tudo não presta e que o jovem da classe média brasileira é um acéfalo, se apóia numa história pobre repleta de situações absurdas, travestidas de pequenas revoluções tipo “cada um faz a sua parte”. Um desserviço para o cinema do Brasil e, ouso arriscar, para o Brasil.
O golpe da criação do T.R.A.U.M.A., inspirado na fracassada tentativa do Dogma 95, nem merece ter a sigla desvendada. È uma armadilha que não captura nem pombo lerdo. A construção dramática do texto é uma piada sem graça. Para justificar suas idéias preconceituosas sobre a geração perdida dos jovens brasileiros (nesse ponto, Stockler se aproxima em perigosa velocidade de Larry Clark), o filme é aberto e encerrado com sonoras coletadas nas ruas de São Paulo. Para o diretor, a imbecilidade é regra, o mundo não tem mais jeito e, a única saída é faturar em cima da pobreza de idéias que emerge como pobreza de criação. O pior filme do mundo.
Cama de Gato
[Cama de Gato, Alexandre Stockler, 2002]
Contra Todos ½
[Contra Todos, Roberto Moreira, 2004]
Nina
[Nina, Heitor Dhalia, 2004]