Tropa de Elite

Não acho que o problema de Tropa de Elite seja o discurso, como quer parte da imprensa. O filme, a meu ver, não chega exatamente a defender alguma coisa. Ele apenas se joga para um outro lado da questão da violência urbana. Lado que, por sinal, permanece obscuro porque os artistas brasileiros consideram que é politicamente incorreto tomar partido da polícia. A questão, na verdade, é muito complicada. De um lado, temos a apresentação de um ponto de vista quase inédito, o que é altamente saudável. Do outro, há perigoso conformismo com um sentimento do tipo “as coisas são mesmo assim”. Este é o problema.

O diretor José Padilha já tinha feito algo parecido em seu longa anterior, o documentário Ônibus 174, lançado no começo da nova onda de docs menos impessoais, onde a imparcialidade não é fundamental. A extensa pesquisa feita para este filme terminou tendo um efeito questionável. Segundo ele, o rapaz que seqüestrou um ônibus e matou pessoas somente o fez porque o sistema e o mundo o cooptaram para tanto. Os atos do assassino, embora não defendidos, terminam sendo justificados porque ele sofreu muito ao longo de sua vida. No novo longa, Padilha volta à parcialidade num assunto complicado.

O Brasil ainda vive à sombra do Regime Militar. Se muitos se rebelaram para serem presos, torturados e exilados, muitos mais souberam não apenas se adaptar à situação com ganhar em cima deste novo sistema de vida. Há alguns anos, diante de uma notícia de violência provocada por bandidos, uma pessoa próxima soltou um “na época dos militares, isso não acontecia”. Realmente. Acontecia dentro de quartéis e delegacias. O comportamento de nossas autoridades de segurança é herança direta desta época, deste modo de encarar o mundo.

Como Tropa de Elite é um filme bem dirigido, bem produzido e tem um protagonista muito certeiro na composição de um personagem de caracterização delicada, não é difícil que o longa termine sendo percebido como uma visão honesta da questão que trata. Sobretudo no Brasil, o filme faz parte de um tipo de obra que é facilmente identificável com o sentimento torto de justiça que os brasileiros, em sua maioria, têm. Sentimento que não apenas faz com que se defenda a pena de morte ou o armamento da população, mas que cria cada vez mais adeptos de que é justo fazer justiça com as próprias mãos.

Enquanto filme, Tropa de Elite funciona perfeitamente: Padilha se mostra hábil na condução de filme policial que pode ser associado a alguns hard thrillers norte-americanos ou europeus que nunca tinham encontrado par no Brasil. A montagem funciona, a câmera funciona e o roteiro é bem escrito. No entanto, as imagens reforçam um sentimento imperativo de que a violência pode apenas ser combatida com violência, associando, mesmo que sem mostrar orgulho por isso, a figura do assassino de bandidos ao heroísmo. Por outro lado, não seria meritoso mostrar um lado já que o todo está meio fora de alcance? Talvez a intenção seja essa: fomentar a discussão.

Mas, por enquanto, meu sentimento sobre o filme é apenas o de incômodo. No dia em que matar for uma decisão acertada, Tropa de Elite vai receber meu aplauso.

Tropa de Elite EstrelinhaEstrelinha
[Tropa de Elite, José Padilha, 2007]

Comentários

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33 comentários sobre “Tropa de Elite”

  1. Toda Tropa é de Elite?

    Tropa de Elite é o Estado com calça curta e barriga de fora.
    Desde o dia em que vazou e começou a correria pro camelô que a história é essa: na tela, a periferia se mistura com a classe média; o jornal anuncia o assassinato do casal, e, para os universitários, a polícia é quem paga o pato.

    Parece que não adianta investigar pra descobrir quem é o culpado do problema brasileiro. A corrupção, sucesso em Brasília é prima-irmã do armamento pesado.
    É o Brasil que tem ginga, malícia, molejo, rapper e uma quantidade de pessoas e políticos na bandidagem, com o elo perdido na ditadura militar.

    O filme de José Padilha se tornou invasor da família. Exibe a gatunagem em casa, pra adolescentes, adultos, idosos e bebês a partir dos quatro, cinco anos de idade. Ninguém quer deixar de assistir ao roteiro de bandido e polícia pulverizado de sul a norte do Brasil.

    Amigos, é o Rio pirata que passou em nossas vidas, mas corra que a história não acaba no cinema. Bang, Bang! Pruin, pruin!

    Edmilson Vieira é artista plástico e escreve crônicas
    dnv01@hotmail.com

  2. Não concordo com a visão de Ana Paul quando diz que o filme se estrepa por não mostrar “a jornada que esse herói precisa construir”. A jornada do Capitão Nascimento passa por várias esferas de sua vida: seu casamento,sua paternidade, seu trabalho e, por fim, o desafio de encontrar um substituto a sua altura.
    O choque entre essas esferas causam o mau estar do nosso anti-herói e mostram a profundidade psicológica do personagem, algo que considero muito longe do rótulo de superficial e fugáz que alguns críticos dão ao filme.De toda forma, parabéns a todos pelo alto nível dos comentáriose e em especial ao Chico pelo ótimo site.

  3. Não, é um filme de tese sobre a violêmncia do Rio, que até abre com uma citação, que calha de adotar a forma de um filme policial.

  4. É um filme de aventura – “duro de matar” made in Copa. Por que tem de haver uma “discussão”?

    Não basta ser entretenimento? Cinema nacional não pode ser entretenimento?

    Como diversão, pra quem gosta de cine-aventura, adrenalina, filme de guerra etc. é um baita filme, não?

  5. O filme retrata a realidade da violência,corrupção e principal que apesar de tudo ainda existem pessoas de cater e honesta na policia.valeu!!!!!

  6. Eu não disse que ele não poderia ser interpretado dessa forma. Pode. Conheço pelo menos umas cinco pessoas que torcem pelo Nascimento. Mas daí a limitar o filme a isso, ou fechar a discussão a partir daí…

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