[ação e reação]


Durante boa parte da sessão fiquei imaginando como Paul Greengrass teria chegado a certas decisões sobre o filme. Vôo United 93 aparece com uma demanda bastante específica: é o primeiro filme sobre o 11 de setembro, de longe o fato mais assustador da história da humanidade nos últimos, sei lá, 200 anos. Greengrass precisava conciliar suas idéias sobre os fatos a uma espécie de fome do povo norte-americano de ver contada essa história de injustiça. E eis que ele, muito acertadamente, escolhe o caminho do lead jornalístico.

Numa matéria tradicional, o jornalista precisa responder a seis questões: quem, o quê, como, quando, onde e por quê. Pois bem, Greengrass sabia quem, o quê, quando, onde e até por quê, embora isso seja bastante relativo. Mas ele só tinha uma idéia do como. E isso, num filme como esse, poderia fazer o diretor seguir por um caminho óbvio, fácil e acomodado, o de vilanizar os invasores. No entanto, Greengrass ignora os estereótipos e procura não trazer méritos de culpa para o cerne da questão.

A ação é concentrada em duas frontes. A primeira é aquela estrutura tradicional de filme político-histórico – só faltou o reloginho no canto da tela -, que é bastante eficiente em traçar um panorama do caos naquele dia, numa espécie de cobertura jornalística paralela à trama central. Temos os elementos clássicos como a câmera trêmula, a montagem alternada, a trilha-marcha. Em determinado momento, um desavisado poderia dizer que o diretor gasta mais tempo com essa ambientação do que com a história que se propôs a contar, mas esse discurso morre cedo porque o estabelecimento desse contexto é fundamental para destacar as especificidades do United 93, que é a segunda fronte.

A reação dos passageiros à situação é criada de maneira muito menos heróica do que poderia se supor. Se o elemento emocional fica por conta dos inúmeros telefonemas que o grupo conseguiu fazer para parentes e amigos – e que foram fundamentais para o tipo de organização que se formou – Greengrass não oferece alento na resolução da história, que filma brilhantemente. O que está em jogo não tem nada de altruísta, como seria entendível filmar, é algo essencialmente animal, é instinto de auto-preservação.

[vôo united 93 ]
direção e roteiro: Paul Greengrass.
elenco: Christian Clemenson, Trish Gates , Polly Adams, Cheyenne Jackson, Opal Alladin, Gary Commock, Nancy McDoniel, David Alan Basche, Richard Bekins, Susan Blommaert, Ray Charleson, Liza Colón-Zayas, Lorna Dallas, Denny Dillon, Trieste Kelly Dunn, Kate Jennings Grant, Peter Hermann, Tara Hugo, Marceline Hugot, Starla Benford, Joe Jamrog, Corey Johnson, Masato Kamo, Becky London, Peter Marinker, Jodie Lynne McClintock, Libby Morris, Tom O’Rourke, Simon Poland, David Rasche, Erich Redman, Michael J. Reynolds, John Rothman, Daniel Sauli, Rebecca Schull, Chloe Sirene, Olivia Thirlby, Chip Zien, Leigh Zimmerman, Khalid Abdalla, Lewis Alsamari, Omar Berdouni, Jamie Harding.
fotografia: Barry Ackroyd. montagem: Clare Douglas, Richard Pearson e Christopher Rouse. música: John Powell. desenho de produção: Dominic Watkins. figurinos: Dinah Collin. produção: Tim Bevan, Eric Fellnan e Lloyd Levin. site oficial:
Vôo United 93. duração: 111 min. United 93, Estados Unidos/França/Grã-Bretanha, 2006.

nas picapes: [luvstory, sigur rós & mogwai]

Comentários

comentários

13 comentários sobre “[vôo united 93]”

  1. Continuo sem enetender. Então, fazer o filme, de qualquer forma que fosse, seria um exercício de sadismo e teria um cara maquiavélico por trás querendo faturar em cima disso?

    E mais: uma coisa óbvia precisa ser dita?

  2. Pois é, se é óbvio alguém tinha que dizer. 🙂

    E não é tão impossível saber o que aconteceu naquele vôo: os passageiros ligaram para suas casas, alguns descreveram o que acontecia, trechos do que aconteceu na cabine foram captados pelas torres de controle, etc. O Greengrass fez um trabalho de pesquisa enorme com os parentes das vítimas, perguntando coisas como “o que ele gostava de comer a bordo?”, tudo para se aproximar o máximo que pudesse do que ele acredita que tenha acontecido. É óbvio que ele tomou certas liberdades (a foto da Casa Branca, meio idiota), mas o filme inteiro foi construído para simular com detalhes o que realmente aconteceu naquele dia.

    Ora, se ele chegou a chamar controladores de vôo que PARTICIPARAM de tudo aquilo para atuarem no filme, ele não tinha a pretensão de ser o mais realista possível, de tentar se aproximar ao máximo da verdade daquele dia?

    E mostrar terroristas rezando ao mesmo tempo em que os passageiros é bom, mas (opa), me parece a coisa mais óbvia do mundo também.

  3. Discordo do Diego. É óbvio que um filme com essa proposta seria acusado por alguém de ser sádico. E não vejo o filme como uma exposição da “verdade” daquele dia (por um motivo até simples: é impossível saber exatamente o que aconteceu durante aquele vôo). O filme é uma ficção narrada em tom de “tempo real” e inspirada em fatos reais (ou você acha que os terroristas colocaram a foto da Casa Branca na cabine para se orientarem melhor?)

    Eu gosto muito de um momento do filme que é um dos mais interpretativos, e acho que o Greengrass dá todo o recado dele ali: quando os passageiros e os sequestradores rezam ao mesmo tempo. Achei aquilo muito bom, muito sensato (e é até corajoso, dentro de um filme que carrega esse peso todo) e acredito que seja um olhar político sobre o mundo de hoje mais interessante, por exemplo, que o de Spielberg em Munique.

  4. Marcelo V., acho que da reação dos passageiros ninguém tem dúvida. O que o Diego questiona é o tratamento dado a como se deu isso. Eu acho que foi um belo tratamento.

    Marcelo C., eu me referia a um fato específico, concentrado num dia só, como os ataques e não a um processo como o Holocausto ou o massacre de Ruanda.

  5. MUITO boa a crítica, das melhores que já li. Nao aguento muito aquela câmera tremendo, mas vá lá, é coisa pessoal. E adorei o filme tb.

    Apenas discutiria a coisa de ter sido “o fato mais assustador da história da humanidade nos últimos, sei lá, 200 anos”. Para o Ocidente, talvez, pq ainda teria um mais que assustador Holocausto no caminho. Para a *humanidade* é ainda mais complicado, se observarmos coisas como Ruanda, por exemplo.

  6. Não tenho vontade de ver e não sei se explorar o fato como espetáculo é positivo. O trailer do filme do Oliver Stone pareceu anunciar um dos maiores lixos de todos os tempos.

    Parece que houve, sim, reação dos passageiros do vôo 93. Eles teriam conseguido prender os terroristas na cabine de comando, se não me engano. Suponho que o Greengrass tenha buscado retratar a história com base nas informações que temos do que ocorreu naquele dia _basicamente dadas pelos próprios passageiros, ao telefonarem para seus parentes.

  7. Bem, eu realmente não acho que haja um tratamento heróico para os passageiros. Entendo que a situação naturalmente faça com o que o filme penda para este lado, mas é justamente esse, a meu ver, o mérito do Greengrass. Não pintá-los de ouro, não endeusá-los.

    As situações que “Vôo United 93” e “Last Days” apresentam podem ter muitas coisas em comum, mas não poderiam ter tratamentos iguais. O primeiro trata de uma tragédia coletiva, num contexto de ação terrorista, que envolveu várias outras situações em outros cenários. Tinham que ser tratada de forma realista. Além do que atendia a uma demanda factual já que havia muito material informativo.

    “Last Days”, apesar de ter um personagem público, trata de uma tragédia particular. O diretor pôde dar um tratamento mais pessoal, com menos necessidade de explicações, mais livre.

  8. Não é uma teoria, é uma observação. O fato – o seqüestro do United 93 – é mundialmente conhecido, e o filme se propõe a preencher a lacuna que falta nisso tudo. O Paul Greengrass falou com cada parente das vítimas, convocou operadores de vôo reais, ouviu as últimas conversas pelo telefone, etc. Tudo para reconstruir esse momento e saciar a vontade de quem queria saber o que eles sofreram até morrer. É uma curiosidade normal, mas meio sádica, sim. Eu não assistiria ao filme novamente, me senti bastante incomodado.

    O grande chamariz do filme é “saiba o que realmente aconteceu no vôo United 93 antes dele cair!”. Dá pra comparar com Last Days sim, são dois filmes que acompanham personagens inspirados em pessoas verdadeiras cujas vidas tiveram um desfecho conhecido por todos. E quanto à busca quase cega por esse realismo, só imagine o que Gus Van Sant teria feito ao dirigir United 93. Isso não aconteceria com qualquer diretor, não. Nem todo mundo está atrás da verdade absoluta, tipo o Greengrass.

    Chico, pessoas sem perspectivas agarradas a uma chance para dar a volta por cima em uma situação daquelas acabam sendo pintadas como heróis, sim. Até mesmo porque há muitas controvérsias sobre o que realmente derrubou o avião, e só o falto do Greengrass já partir da teoria da “reação dos passageiros” já indica a intenção de transformá-los em heróis. Nenhum grande problema com isso, aliás, apenas aquela questão que eu levantei na outra mensagem.

  9. Diego, não entendi. Então você acha que o filme não deveria ter sido feito porque todo mundo já sabia que as pessoas iriam morrer? Essa sua teoria acabaria com uns 30% de toda a cinematografia mundial! A intenção só poderia ser sádica?

    Sobre o que é verdade ou não, isso aconteceria com qualquer diretor, qualquer roteirista que resolvesse contar essa história.

    Acho que não dá para comparar com “Last Days”. É bem diferente.

    E, mais do que isso, não acho que o filme pinte os passageiros como heróis e, sim, como pessoas sem perspectivas, agarradas a uma última chance.

  10. Esse me deixou bastante incomodado, fisicamente até. É um filme desagradável, odiando ou adorando.

    Tenho lá minhas dúvidas acerca das boas intenções de um filme que se propõe a seguir em tempo real os últimos minutos desse grupo de pessoas, apresentando o que o diretor acredita ser a verdade, o que realmente aconteceu. Não é como “Last Days”, inconclusivo. É muito mais pretensioso. É a suposta “verdade” daqueles 70 e poucos minutos.

    É meio sádico também. O grande chamariz do filme é esse, ver o que aquelas pessoas passaram até morrer.

    Todo mundo sabia que elas morreram em circunstâncias trágicas. Isso já não era suficiente? Parece-me que retratando o grupo de passageiros como heróis (mesmo que essa reação seja também movida por um instinto de sobrevivência) o Greengrass pretende uma certa homenagem àquelas pessoas (elas foram bravas, resistiram até o final! etc), quando eu acho que elas já mereciam todo o nosso respeito sem qualquer esboço de ato heróico.

    Um negócio impressionante é a atuação do Ben Sliney, repetindo todo aquele dia terrível da vida dele. Fico imaginando o que o levou a aceitar participar desse filme. Exorcizar fantasmas?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *