Andrew Stanton, Ben Burtt

Há tantas respostas para a pergunta “o que faz de uma obra uma obra-prima” que elencá-las seria trabalhoso demais. Talvez a melhor delas seja a singularidade, as características que somente aquele livro, disco ou filme têm – ou que só eles têm daquela maneira. Todos os dias aparecem autores tentando buscar esta singularidade, mas quase todos eles geralmente pecam pelo excesso, por uma estranheza calculada ou a radicalidade sob a forma de inovação de linguagem. É raro chegarmos ao tom exato, como fez Andrew Stanton na maior parte de Wall-E, que talvez nem seja uma obra-prima, mas que é algo bem perto disso.

Numa discussão inicial, o novo longa da Pixar é um experimento bastante arriscado, já que, destinado a um público infinito, consegue abolir de mais de sua metade o elemento mais essencial da comunicação. Em plena era da troca de informações, Wall-E é, na maior parte, um filme mudo. Mas ao contrário de outras intervenções do tipo, como no brasileiro A Festa de Margarette ou num dos episódios de Three Times, essa opção não é um fim, mas um meio. Wall-E não tenta se vender pelo diferencial como o primeiro, nem homenagear as técnicas antigas de filmagem como o segundo. Para Andrew Stanton, o silêncio é apenas mais uma forma de se comunicar.

O longa, naturalmente, termina evocando o humor simples e direto do cinema sem som, usando artifícios corriqueiros a Chaplin, Buster Keaton ou Harold Lloyd, mas isso acontece sem esforço, como um movimento natural da opção de linguagem escolhida. Esse humor, assim como nos primeiros filmes, convive em perfeita harmonia com uma melancolia novamente simples que parece conseqüência imediata da solidão do protagonista, um robozinho ‘lixeiro’, único de sua espécie a resistir numa Terra de um futuro distante, devastado e abandonado. Melancolia, por sinal, parece demérito já que virou padrão artístico de um cinema independente atual, empenhado em revelar pérolas tristes em série. É a produção em massa de uma dor de mentira, da qual este filme parece estar bem distante.

Continuar nesse terreno (silêncio-solidão-melancolia), poderia tanto se tornar cômodo, já que se conseguiu um equilíbrio desejado, quanto claustrofóbico, vitimando o longa se seu formato fosse transformado numa grande armadilha esquemática. Mas Stanton muda de tom depois de uma primeira, numa sacada de mestre. A princípio, parece que Wall-E vai ganhar contornos mais comuns, com a chegada de novos personagens, a conseqüente introdução da fala e a adoção de um humor e um ritmo mais imediatos. No entanto, o filme surpreende ao manter seus elementos iniciais (a fala é usada apenas no necessário) e ainda seguir o caminho natural de um cinema de aventura.

Mas essa inteligência no trânsito entre as formas não é o único grande acerto de Wall-E, que apresenta uma das mais pessimistas visões do futuro da humanidade que o cinema já viu. Para Stanton, o homem que está por vir vai perder todos os padrões, especialmente – e aí temos de volta a melancolia – a capacidade de se comunicar, de viver em grupo, de coexistir. A crítica à maneira como o planeta está sendo tratado é aguda e, ao mesmo tempo, discreta, como M. Night Shyamalan precisa aprender a fazer. Num momento em que o cinema aposta em linhas retas fáceis ou ziguezagues exibicionistas para dar um recado, nunca uma ‘mensagem’ conseguiu um caminho tão sensível e inteligente.

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[Wall-E, Andrew Stanton, 2008]

Comentários

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24 comentários sobre “Wall-E”

  1. Só vi Wall.e nesse fim de semana passado, em casa. Me emocionei de verdade. Sempre fui fã de desenhos animados, adoro o trabalho da Pixar, mas esse filme realmente superou todos os outros, mesmo os clássicos. O mais interessante é que o Wall.e tem melhor interpretação que muito ator de renome..rs

    O filme é lindo!!

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