Whiplash

Whiplash é um falso positivo. Quem lê a sinopse ou assiste ao trailer do filme que revelou Damien Chazelle pro mundo imediatamente o associa a um gênero de cinema que, se não foi fundado, teve seu maior expoente em Ao Mestre, com Carinho, que, no final dos anos sessenta, ajudou a consolidar a carreira de Sidney Poitier: os filmes de professores que transformam as vidas dos alunos. Assim como deve acontecer com J.K. Simmons, Edward James Olmos concorreu a um Oscar num destes papéis, que também já atraíram gente do porte de Michelle Pfeiffer e James Belushi.

A grande questão é que, mesmo inspirados em pessoas reais, esses personagens se prendiam a uma concepção burocrática que misturava altruísmo e personalidade forte e eram base para uma história de superação que na imensa maioria das vezes paria um longa tecnicamente acomodado. O filme de Chazelle vira essa fórmula pelo avesso. O protagonista é um estudante de música arrogante e ambicioso e a “personalidade forte” do professor flerta com a vilania. A partir disso, o cineasta desconstrói a preguiça esquemática que impera no gênero, mesmo quando arma ganchos que sugerem exatamente as soluções que refuta.

Além dessa predisposição para quebrar padrões, Chazelle revela uma mão talentosa para dirigir as cenas musicais e as transformar na força motriz do filme. O diretor consegue transformar cada sequência de ensaio ou de apresentação da banda em que trabalham os personagens num espetáculo dramatúrgico de uma excelência técnica que realmente impressiona. A fotografia e, principalmente, a montagem estão a serviço da música e a música está a serviço da catarse emocional. Nesse ponto, Whiplash até tem uma intenção semelhante a dos filmes de que se distancia, pretende pegar o espectador pelo pé.

A diferença mora no método do diretor/roteirista. O duelo que Damien Chazelle promove em seu filme é muito mais do que um embate de egos, mas se transforma num conflito ideológico sem grandes verdades onde o cineasta abre espaço para humanizar os dois personagens mesmo que não dê moleza para nenhum deles. O thriller psicológico proposto pelo diretor revela que Miles Teller, jovem astro em ascensão em Hollywood, tem um belo futuro pela frente, e que J.K. Simmons pode ser um monstro, no melhor dos sentidos, com uma baqueta na mão.

Whiplash – Em Busca da Perfeição EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Whiplash, Damien Chazelle, 2014]

Comentários

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5 comentários sobre “Whiplash”

  1. Mais do que um duelo psicológico entre dois personagens egocêntricos e estúpidos, é um filme do “agora”. Muito tem se filmado do ponto futuro, do sonho, do desejo, da jornada. É claro que o estudante quer ser grande, ou ser lembrado como grande, e o professor quer manter sua posição de poder e seu status no mundo jazz. Mas o filme, ao assumir uma postura do detalhe, com muitos planos fechados, versa sobre o fazer, o presente, o agora. O menino pode até querer ser uma lenda como Charlie Parker, mas ele quer mais do que aplausos, quer fazer valer os confetes. É uma ode ao ato.
    Me incomodou um pouco o fato dos protagonistas serem feitos por atores brancos em um ritmo majoritariamente negro, mas é uma obra-prima, e do presente. Boa crítica.

  2. Fico “p” da vida que um filme desses não chega na minha cidade (porte médio do interior paulista), que dispõe de meia dúzia de salas no “xopiscentis” daqui, todas da mesma empresa exibidora. E milhões de outros bons filmes também sempre passaram longe. É deprimente essa situação.

  3. Acabei de assistir ao filme e ainda estou em estado de choque. Tudo é superlativo no filme:, direção, interpretações, trilha sonora… Concordo com você o filme subverte todos os filmes do gênero “ao-mestre-com-carinho”. Simplesmente magnífico.

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