Gosto dos Outros: Guilherme Martins

Os dez vem em ordem alfabética:

O Atalante (L’Atalante, 1934), de Jean Vigo.

Esse filme reinventa a emoção cinematográfica, apaixonante toda vida, é bonito, engraçado e filmado como poucos. Tem ainda um dos maiores personagens do cinema, o tio Jules, sensacional, e um porção de gatos em cena.

Copacabana Mon Amour (idem, 1970), de Rogério Sganzerla.

Cinemascope das favelas, esse filme explode a tela do cinema. Scope com câmera na mão, ao som berrante da música de Gil, com Guará, Helena Ignez e cia em momentos iluminados. Esse filme é a imagem em seu estado mais livre e selvagem.

O Despertar dos Mortos (Zombie/Dawn of the Dead, 1978), de George Romero.

Esse é o maior filme do mundo. Talvez não seja o melhor, mas é o maior. Pra além de tantas questões políticas, esse filme me diz uma coisa o tempo todo: cinema, cinema, cinema. O som do Goblin dá o ritmo exato da progressão romeriana. É de enlouquecer.

Eles Vivem! (They Live!, 1988), de John Carpenter.

“I have come here to chew bubblegum and kick ass. And I’m all out of bubblegum.”
“Life’s a bitch and she’s back in heat!”
“White line’s in the middle of the road, that’s the worst place to drive.”

No Silêncio da Noite (In A Lonely Place, 1950), de Nicholas Ray.

O fim mais amargo da história do cinema, as luzes e câmera de Ray não nos deixam enganar. Ray mais do que dirigia seus atores, ele os seduzia; o resultado é uma atuação implacável de Bogart, talvez a sua melhor. Ray é um cara que te faz querer acompanhar o filme aonde ele for com suas emoções. É difícil descrever filmes assim.

A Primeira Noite de Tranqüilidade (La Prima Notte di Quiete, 1972), de Valerio Zurlini.

Esse filme tem um tempo só dele, uma duração própria, os cortes exatos. Há os planos zurlinianos, Alain Delon caminhando sobre o parapeito, o carro do Delon, uma mulher inacreditável e o mago Giancarlo Giannini. Alias, esse filme tem duas das maiores atuações do cinema.

Quando Explode a Vingança (A Fistful of Dynamite/Giù La Testa, 1971), de Sergio Leone.

Esse é um filme pra se ver no cinema com tela grande e larga. Só assim pra começar a se aproximar dos planos de Leone, a forma como filma James Coburn e Rod Steiger e aqueles e aquilo que estão a sua volta. Há ainda alguns dos usos mais inacreditáveis do zoom, uma porção de cenas pra vibrar e chorar, tudo ao som da trilha sensacional de Morricone (chom chom…).

Onde Começa o Inferno (Rio Bravo, 1959), de Howard Hawks.

Qualquer filme que comece do jeito que começa Rio Bravo teria que figurar numa lista de melhores do mundo; o problema é que ele só vai melhorando. Mais do que tudo funcionar, da disposição e postura dos figurantes em cena à câmera de Hawks, tem algo em Rio Bravo, não é apenas a encenação, o encadeamento dos planos, o tom, o Walter Brennan (gênio maior). É uma parada de observar o Hawks resolvendo tudo num estalo de dedos, mas ao mesmo tempo ir vendo todo um trabalho que vai se desenvolvendo. É uma experiência como poucas ver e rever esse filme.

Saló, ou os 120 dias de Sodoma (Saló o le 120 Giornate di Sodoma, 1975) , de Pier Paolo Pasolini.

Esse filme você vive, ou melhor, sobrevive. Um processo intenso mesmo. Em certo momento uma personagem exbraveja “Deus porque você nos abandonou?” e bem, nada resume o filme melhor que isto.

O Tiro Certo (The Shooting, 1967), de Monte Hellman.

Um faroeste do espaço sideral, alguns dos planos mais emblemáticos e importantes do cinema estão aqui. Um dos maiores usos da ausência da civilização num filme. A ser desvendado. Sem falar em grande performance de Warren Oates, o maior ator do cinema.



Mais: Alvo Duplo III, Tsui Hark; Assalto à 13a DP, John Carpenter; Ato Final, Jerzy Skolimowski; Uma Aventura na Martinica, Howard Hawks; Banho de Sangue, Mario Bava; Cuidado com a Puta Sagrada, Rainer Werner Fassbinder; O Desprezo, Jean-Luc Godard; Duas Garotas Românticas, Jacques Démy; Faces, John Cassavetes; Prelúdio para Matar, Dario Argento; They All Laughed, Peter Bogdanovich; Um Tiro na Noite, Brian De Palma; Zombie, Lucio Fulci.

microentrevista

Houve um marco inicial na sua história com o cinema?
Não sei se houve um marco, houve filmes específicos e obras descobertas que alimentaram de forma vital essa paixão. Dá pra dizer que o duo Carpenter/Hawks foram os que mais tocaram no sentido de me fazer correr atrás do mundo do cinema, mas quando se começa a cinefilia muito jovem como no meu caso, e morando numa cidade afastada dos grandes centros (no meu caso era Cuiabá), ou seja, exageradamente sozinho, a gente começa tateando de tudo quanto é tipo de cinema, e muitas vezes mistura o que já é complicado (adolescência), mesmo que com muita coisa foda, com algo ainda mais complicado (cinema). Mas tem vários filmes que por uma ou outra razão naquele instante me deixaram pulsando, vai de Massacre da Serra Elétrica à irmãos Marx.

Há um tipo de filme que mais te chame atenção ou uma época do cinema em que estejam muitos de seus favoritos?
O meu gênero favorito sempre foi (e, acredito, sempre será) terror, não tem jeito. Já tem algum tempo que eu consegui quebrar a barreira de ser exageradamente fanático por terror à ponto de conviver mais pacificamente com outros gêneros, houve mesmo um momento em que eu realmente vi tudo que as locadoras que eu freqüentava em Cuiabá possuíam do gênero, dos mais variados tipos de filmes de terror. Mas mesmo hoje não tem jeito, eu gosto de ver filmes de terror, dos mais toscos aos mais bem produzidos, dos bola preta aos quatro estrelas, europeus, asiáticos, americanos. É um processo de aproximação diferente, de exigir coisas diferentes, o que talvez explique o fato de existir somente um filme realmente do gênero no 10+ aí de cima, e outro que flerta.

O que você acha dos blogues sobre cinema?
Eu nunca levei muito a sério o processo de escrever em blogues, eu realmente tendo a usar ele como um espaço mais descontraído de um cinéfilo, comentários rápidos, preferindo guardar o processo de “ir ao filme” pra textos diretos. Mas acho que isso depende de cada um, depende se a pessoa tem um espaço pra fazer isso, da relação dela com o blogue – eu tenho o meu há um tempão, no começo escrevia bem esporadicamente sobre cinema, mas quando o fazia escrevia mais até do que faço hoje, que no máximo esboço pequenas anotações e comentários, ele começou a virar um blogue de cinema mesmo quando a necessidade de escrever sobre cinema foi aumentando, e mesmo nesse momento eu cheguei a criar um site, o Sozinho no Escuro, que era voltado pra filmes de terror, pra poder praticar lá. Gosto de entrar em tudo quanto é blogue de cinema todo dia e ler o que se foi dito, mas eu mesmo não consigo exercer esse trabalho “crítico” por lá, prefiro fazer dele um lado B dos meus textos. Mas acho que isso depende de cada um.

Fazer um filme, ou participar da realização de um deles, foi uma extensão natural de seu interesse por cinema?
Com certeza, ainda que ver um filme e trabalhar na realização de um sejam processos de certa forma muito diferentes, mas são atos que se completam. Sem falar que é uma experiência de convivência sensacional. O que me chama mais a atenção é ver o quão complicado é se ter um “olhar de critico” quando se realiza um filme, das necessidades de em um dado momento se afastar desse lado, mas em outros notar o quanto ele pode ser vital pra certas escolhas.

Acabou o filme, hora de…
Rever! Tem poucas coisas mais importantes do que rever em cinema.

Guilherme Martins, 20, é redator da Contracampo, também colabora no Cine Imperfeito e escreve o blogue Free as a Weird, no ar há quatro anos. Sócio da Hatari! Produções, prestes a ser oficializada no papel, mas já em atividade, com diversos projetos na área de cinema.

Comentários

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19 comentários sobre “”

  1. Não entendi o comentário. Se foi para chamar a atenção para o importante fato de que há uma quebra na ordem alfabética, na lista do Guilherme, Onde Começa o Inferno aparecia com o título original, Rio Bravo. Se for isto, nem merecia resposta, mas não quero que pareça que o Guilherme, meu convidado, escreveu besteira.

  2. O filme do Ray foi lançado em DVD no Brasil.Tem um documentário bem legal, apresentado pelo Curtis Hanson.

    “The Shooting” é maravilhoso, mas “Two-lane Blacktop” é ainda melhor.

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