Pela estrada afora

Cada quadro de Exílios é um presente. A fotografia é calculada em cada pequeno detalhe, mas nunca esboça artificialismo ou afetação. O road movie existencialista de Tony Gatliff fala sobre uma busca de não se sabe muito bem o quê: origens, identidade, papel do mundo. O que importa é a inquietação que transforma dois estrangeiros que moram em Paris numa dupla errante em êxodo voluntário. O tom começa pretensioso, mas muda pouco depois quando se afirma o desenho das personagens. O casal de protagonistas guarda características ingênuas, pueris, ancestrais. Os dois atores nunca estão espetaculares, mas sempre se entregam com felicidade aos papéis, que, em mãos erradas, cairiam facilmente no lugar comum.

O maior talento de Gatliff, premiado em Cannes pela direção deste filme, está em como ele torna sensorial a viagem de suas personagens: do sexo, que surge como elemento essencial, vital, ao jogo de sabores e sons que marcam o trajeto. A trilha sonora composta pelo próprio cineasta, por sinal, é importantíssima para empurrar a dupla pelo caminho. Os dois atravessam França, Espanha, cruzam o estreito de Gibraltar e passeiam em parte do norte da África para chegar à Argélia. No meio do caminho, a busca se torna cada vez mais nebulosa, os objetivos cada vez menos importantes. O movimento é o que justifica a ação de Zano e Naima.

Há um imenso deleite visual. Esplendor mesmo, correndo o risco de beirar o exagero pictórico. Uma das cenas mais exemplares é a da partida do caminhão das ruínas da cerâmica abandonada; é o que se entende por filme em seu estado mais puro, um momento em que se justifica a existência do cinema. A imagem que fala. A seqüência do jogo sexual no pomar é a cena mais sensual do ano, onde os dois atores se entregam ao animalesco com gigantesca dedicação. Exílios peca apenas na penúltima cena, imensa, que deveria funcionar como catalisadora, como clímax, como entrega final das personagens a sua cultura, história, origem, mas que exagera na ânsia de significar e fechar arestas. No entanto, a essa altura, Tony Gatliff já poderia mesmo se arriscar porque seu filme já havia se revelado encantador.

Exílios
Exils, França, 2004.
Direção, Roteiro e Produção: Tony Gatliff.
Elenco: Romain Duris, Lubna Azabal, Leila Makhlouf, Habib Cheik, Zouhir Gacem.
Fotografia: Céline Bozon. Montagem: Monique Dartonne. Direção de Arte: Brigitte Brassart. Música: Tony Gatlif e Dalphine Mantoulet. Site Oficial: Exílios. Duração: 103 min.

rodapé:

Djomeh , de Hassan Yektapanah.
Vi Djomeh há um bom tempo, mas não me inspirei para escrever sobre ele talvez porque ela pareça muito com muitos dos filmes iranianos que chegaram ao Brasil nos últimos tempos. Sem a mesma concepção de um Abbas Kiarostami, o diretor se dedica a contar a historinha do moleque afegão com compulsão casamentícia de forma “bonitinha” e pouco inspirada. Não fede. Não cheira.

Na calada da noite, assisti com uns amigos aqui em casa Sharkman, uma daquelas podreiras que tentam resgatar os filmes de monstros dos anos 50. Não chega nem perto. E nem vale a pena comentar. Bom mesmo para tirar onda.

E vote na nova enquete no pop-up: quais os cinco atores que você acha que vão disputar o Alfred 2005?

nas picapes: Evil, Interpol.

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