Nome Próprio

O surgimento dos blogues reinventou o poder sobre o texto. Sem editores, censores ou chefes, qualquer um podia escrever o que quisesse. Panfletos, críticas, xingamentos. Tudo, inclusive ficção. A tecnologia tinha golpeado não a literatura, mas o sistema editorial em cheio. As portas restritas para esse meio já nem eram mais tão importantes porque quem quisesse poderia simplesmente abrir um blogue. Era a revolução, a quebra de paradigmas. No entanto, o início da era dos blogues era também restrito e os pioneiros ganharam status diferenciado. Sobretudo quem escrevia ficção. De espaço alternativo, a internet virou plataforma para que novos escritores pudessem divulgar seu material e chamar atenção.

Foi assim com Clarah Averbuck, um dos nomes mais famosos da etapa inicial da blogosfera brasileira. Seus blogues chamaram atenção e seus textos migraram do virtual para o velho e bom papel. Dois de seus livros, escritos a partir de anunciadas experiências pessoais, pariram o roteiro de Nome Próprio, filme de Murilo Salles. Uma verdadeira jornada entre suportes, eu diria. Mas o filme, apesar de um esforço visível de se mostrar antenado, nasceu datado. E o culpado disso é justamente o material original, o texto, que envelheceu, revelando suas fragilidades. No plural.

Primeiro, Nome Próprio é um amontoado de frases feitas, tentando misturar vestígios de uma cultura underground, de Fante a Bukowski, com uma visão limitada de mundo, aquela coisa pós-adolescente de achar que palavrões, metalinguagem (“ficção não acontece contigo o tempo todo? então me reescreve?”) e mais um pouco de álcool e drogas fazem de algo, algo importante. A sensação é de que as frases são pensadas vinte vezes para que tenham um valor extra (“aqui escrevo, escrevo porque preciso”), para que signifiquem (“a dor são poros por onde transpira a escrita”), com maneirismos moderninhos que ficaram datados (“todo mundo já deve ter copiado, redirecionado”). E, sob o pretexto de não ter pudores, qualquer citação a sexo é banalizada. E isso já vem com a defesa acoplada de que quem não gostou deve ser careta.

O melhor do filme é Leandra Leal. Pensando bem, a única coisa boa do filme é Leandra Leal. Mas nem a interpretação da moça, bastante esforçada em dar credibilidade a sua frágil personagem, salva o longa de Murilo Salles, que confessou não ter muita intimidade com a internet e peca por um certo didatismo em relação à web. A idéia das sobreposições de texto funcionam até a segunda página, depois ficam com cara de coisa velha. Como a rebeldia pré-fabricada do texto (“O problema é eu fico achando que caos é ordem”). Mas, numa certa altura, a própria protagonista avisa (e lava as mãos): “não gostou? não lê”. Mas para saber que não se gosta, tem que dar uma espiadinha, não é?

Nome Próprio Estrelinha
[Nome Próprio, Murilo Salles, 2007]

Comentários

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10 comentários sobre “Nome Próprio”

  1. estou em Lisboa, não acho o DVD pra comprar, não acho o filme pra baixar, nem tem exposiçao nos cinemas aqui.. aff gosto bastante das atuaçoes de minha “xará”, mas filmes brasileiros mesmo na ascenção dos últimos anos, nao tem grande expressão ao grande publico. Se alguem puder ajudar com algum link pra que possa baixar agradeço.

  2. A princípio “Nome Próprio” é promissor. O diretor sabe dar ao longa adaptado livremente de livros-coletânea (e posts do próprio) de blog alguma profundidade, algum mérito ou alguma linha que será seguida. Na liberdade de um longa independente, ousar escrever (literalmente) na tela as palavras pensadas para expressar o sentimento da blogueira. Filma claro no que é aquilo: após tempo suficiente, a blogueira Camila já fala como escreve. Bizarro, mas a personagem de (excelente) Leandra Leal é autora que se deixou tomar pela obra; notoriamente é meticulosa, calculista com cada frase que expressa em seu blog, e repete os feito em diálogos carne-e-osso. E durante os primeiros 40 minutos o diretor sabe mostrar bem o caos (ou ordem segundo ela) que cabe à vida da garota, e em uma das melhores cenas, com ótima posse de câmera e perfeito exame de montagem, filma magistralmente a teoria a respeito do adultério da garota.

    Mas estranho e que depois de certo ponto o diretor parece abandonar o estilo e assumir uma livre narração de um blog, e segundo ela, “se não gostou: não lê”. Bom, eu não gostei. A vida de Camila é daquela tipicidade de viver loucamente, como quiser, sem interferência do meio: o tipo de pseudo-único, que hoje é comum, típico ridículo.

    Mesmo que haja cenas boas, situações interessantes, essa são elementos disfocais, rotineiros, e assim são apresentados. Embora a idéia seja promissora, o resultado não saiu dos melhores.

    Bom, há Leandra Leal. Em certo momento, também está uma inspirada Rosanne Mulholland, mas “Nome Próprio” se deve à Leandra Leal, atriz que vem calçando uma carreira genial, em papéis que prepara cada vez melhor. O roteiro do longa é recheado de frases feitas que você encontra na blogosfera, a estilização boca-suja e os verbetes pretensos únicos, a necessidade pedia á atriz dar força a essas pronuncias de um forma difícil: não parecer calculada e parecer calculada. Dar normalidade aos diálogos, mas deixá-los soar forte como uma marca registrada, robótico. E de fato consegue, é possível ver no próprio trailer do filme, um dos melhores “Merdas” já pronunciado. Leandra Leal ainda esculpe bem os tiques da garota e deixa-a parecer em outro plano, como se Camila tivesse saído da rede para visitar o mundo físico com data marcada para voltar. Momento quebrado apenas em um boa cena: “Não quero te conhecer de verdade, você vai estragar a imagem que eu já criei na minha cabeça”.

    Ao fim “Nome Próprio” vai se tornando vazio, culmina na cena final com algo á dizer que é óbvio, mas que assim como faz Camila, adquiri profundidade pseudo.

    Resenha de 01h58m28s 🙂

  3. Eu gostei bastante do filme. Achei forte. A minha irmã foi assistir e por alguam razão não agüentou os palavrões e o clima maníaco-depressivo da personagem. Saiu para respirar do lado de fora do cineam e depois voltou de novo, depois de meia hora mais ou menos. Assim não vale. Heheheh

  4. Pra falar a verdade, nunca gostei das bloguices da tal Clarah: sempre me pareceu subliteratura da pior espécie. Mas esperava mais de Murilo Salles.

  5. Mesmo assim ainda quero dar a tal espiadinha. Sempre gostei dos papéis da Leandra e gosto da Clarah… Vamos ver o que eu acho.

    Mas a resenha é boa, e já verei o filme com outros olhos que não a de uma guria deslumbrada…

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