Raoul Ruiz

Mistérios de Lisboa EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
Mistérios de Lisboa, Raoul Ruiz, 2010

Eu saí tão leve das quatro horas e meia de Mistérios de Lisboa que só posso concluir que Raoul Ruiz é o melhor diretor do mundo para adaptar livros clássicos, como foi com Proust em O Tempo Redescoberto. O que Ruiz faz com a obra de Camilo Castelo Branco – uma novela simples no texto e complexa na forma (já que é fartíssima de personagens e tem uma narrativa que se parte a cada vez que se quer apresentar um deles) – é sublime. O chileno radicado na Europa tem um domínio de cena assustador. Comanda o filme como um maestro, dando um movimento trágico-musical a todas as cenas, que ganham frescor e agilidade raríssimas em adaptações literárias de época. Ruiz administra a profusão de personagens a seu favor, dando espaço privilegiado a todos, mas seu maior acerto é na composição da narrativa, que transita por épocas diferentes em flashbacks introduzidos com tanta suavidade que mal se percebe a transição de tempo. A energia do filme, que reinventa o clássico, só poderia vir de um diretor que, aos 69 anos, é dono de uma jovialidade que poucos cineastas parecem ter.

My Joy

Minha Felicidade EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
Schastye Moe, Sergei Loznitsa, 2010

Quando Minha Felicidade completou seus primeiros trinta minutos eu imaginei que estava vendo o melhor filme da Mostra, comparável talvez apenas a Tio Boonmee e Homens e Deuses, mas confesso que as reviravoltas que o diretor Sergei Loznitsa promove me confundiram tanto que o filme ficou um pouco menor para mim. Mas foi muito pouco. O cineasta de primeira viagem nasceu na Bielo-Rússia, mas filma como os romenos. A descida aos infernos do caminhoneiro Georgy é acompanhada pela mesma câmera naturalista dos colegas do Leste Europeu. Câmera que investiga os detalhes do cotidiano, que aqui são os encontros do protagonista com uma variada fauna de habitantes de uma região rural russa. Embora transforme seu filme num enigma a certa altura e torne o conjunto misterioso, o diretor usa seu filme para investigar pequenas crueldades humanas e compõe alguns momentos brilhantes. A sequência final, desde já, é uma das porradas do ano.

Helena Ignez, Djin Sganzerla

Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha, Helena Ignez e Ícaro Martins, 2010

Eu provavelmente nem devo ter muitos motivos para isso, mas a verdade é que eu gostei demais de Luz das Trevas. A simples ideia de uma continuação de O Bandido da Luz Vermelha parece picareta e oportunista – e talvez até seja mesmo – mas o filme que Helena Ignez apresenta é tão carinhoso com seus discurso, formato e personagens que parece um genuíno exemplar desse gênero de cinema. O roteiro atribuído a Rogério Sganzerla, marido de Helena e diretor do filme original, é ingênuo e debochado na mesma medida, dono de um frescor de outrora, se é que isso existe, e uma vitalidade que faz falta no cinema brasileiro. As dezenas de participações afetivas incomodam um pouco e a interpretação e o personagem de Ney Matogrosso não fazem falta, mas a anarquia sacana de André Guerreiro Lopes já vale o ingresso.

Takeshi Kitano

O Ultraje EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
Autoreiji, Takeshi Kitano, 2010

Mais uma vítima da projeções digitais da Mostra. O filme de Takeshi Kitano ganhou uma cópia escura, sem contraste ou definição. Apesar da qualidade do material que foi oferecido ao público, O Ultraje é um retorno irônico do cineasta aos bastidores da Yakuza, de que seu cinema estava afastado havia dez anos. O humor do diretor, que estava eclipsado pelos frágeis exemplares de sua trilogia sobre profissões, ressucita em grande forma, num deboche da máfia encharcado de sangue. Kitano já anunciou uma continuação para o ano que vem.

Yoji Yamada

História de Kyoto EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
Kyoto Uzumasa Monogatari, Yoji Yamada e Tsutomu Abe, 2010

História de Kyoto parte de uma proposta interessante: visitar a antiga capital do cinema japonês e lá contar uma história de amor. Os diretores Yoji Yamada e Tsutomu Abe intercalam sua ficção com referências a estúdios e filmes e depoimentos reais de moradores da cidade. Embora esse projeto mesclado de dramaturgia com documentário tenha ficado pelo meio do caminho – já que o romance cresce e toma conta lá pelo meio do filme -, os cineastas costuram a trama com tanta delicadeza que a brincadeira inicial nem faz falta. Este filme-homenagem é pequeno e gracioso.

Kawasaki's Rose

A Rosa de Kawasaki Estrelinha
Kawasakiho Ruze, Jan Hrebejk, 2010

O diretor Jan Hrebejk assumiu um dos papéis principais do filme que a República Tcheca escolheu para disputar uma vaga no Oscar. Um filme que nasceu com vontade de ser importante. A Rosa de Kawasaki é, num primeiro plano, um melodrama familiar sobre crises matrimoniais. Tem até uma cena boa, quando amante, marido e esposa resolvem conversar. Depois vira um filme sobre o segredo de um homem e aí toca em assuntos que o diretor acha realmente significativos como ditadura, delação e direitos humanos. É aí que a história começa a ser tratada como espetáculo de denúncia, que nem é tão giga assim, e que tudo vai por água abaixo. E a rosa e o Kawasaki do título são os figurante dos figurantes.

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15 comentários sobre “Mostra SP 2010: post 7”

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