Ser cineasta no Irã é uma tarefa cada vez mais complexa. Durante quase 40 anos, Abbas Kiarostami registrou seu país em filmes que desafiavam tanto as narrativas convencionais quanto os assuntos proibidos pelo regime. Há dois anos, o cineasta iraniano mais conhecido e respeitado no mundo teve que se radicar na França, que sempre ajudou a produzir suas obras, para continuar a filmar. Em Cópia Fiel, rodado na Itália e estrelado por Juliette Binoche, o diretor manteve sua diretriz de experimentação de linguagem ao mesmo tempo em que se mostrou interessado em conhecer novas culturas.
Um Alguém Apaixonado, seu mais novo filme, segue essa mesma diretriz. Como uma criança diante de uma infinidade de possibilidades, Kiarostami continua passeando pelo mundo, buscando experiências e estímulos novos, independentemente do lugar e da língua. O filme foi rodado em Tóquio, utiliza apenas atores locais e é totalmente falado em japonês, um idioma que o diretor não domina.
Kiarostami documenta o encontro inusitado entre uma jovem prostituta (Rin Takanashi) e um velho tradutor (Denden), dois personagens solitários que vêem, um no outro, uma chance de conforto, um alento para suas vidas. A trama simples mostra mais um diretor envolvido em encontrar a essência e as motivações de seus protagonistas do que o arquiteto da linguagem cinematográfica que o espectador se acostumou a perseguir. Essa despretensão talvez explique a má recepção dos jornalistas ao filme em sua estreia, no Festival de Cannes deste ano.
Um Alguém Apaixonado guarda muitos ecos do cinema feito pelo diretor no decorrer dos anos. Os temas e métodos, mesmo que timidamente, estão todos lá. Há longas conversas dentro de carros, mas não há a mesma câmera determinista de Dez. Há um questionamento sobre realidade e ficção na persona da prostituta, mas nada que ensaie a metaformose de Cópia Fiel, em que o tema discutido se transfere para a própria estrutura do longa.
No entanto, existe no filme uma espécie de desconstrução do romance. Uma desconstrução quase imperceptível porque Kiarostami filma “como na vida”, sem clímaxes, sem pontos de corte, sem viradas. Os personagens se apaixonam um pelo outro, mas não por corpos ou mentes e, sim, pela ideia que cada um representa. Enquanto ela busca segurança e estabilidade, ele enxerga a juventude perdida e a negação do fim – “O Fim”, por sinal, seria o título do longa. Se a cena que encerra o filme não fecha arestas, não resolve questões, talvez o cineasta tente dizer que, “como na vida”, nem tudo se resolve.
Um Alguém Apaixonado ½
[Like Someone in Love, Abbas Kiarostami, 2012]
Texto publicado originalmente no Uol.