[um tom inadequado]

Convenhamos que adaptar Gabriel García Marquez é missão das mais desafiadoras. Convenhamos ainda que, embora tenha prestado belos serviços ao cinema brasileiro, faz tempo, muito tempo, que Ruy Guerra não dá a luz um filho completamente são. Diante destas duas informações, as expectativas em torno deste O Veneno da Madrugada não eram das melhores, mas, depois de vê-lo, deu para perceber que nem tudo está perdido no filme.

Sim, vamos elogiar a fotografia de Walter Carvalho, mas será que os belos planos, os jatos de luz, a granulação, tudo muito bonito como de praxe, conseguem esconder falhas de direção, de tradução? Podemos elogiar ainda a composição de algumas cenas, as poucas em que os elementos mágicos conseguem alguma consistência, mas será que duas ou três cenas podem servir de contrapeso para um filme inteiro onde tudo parece burocrático e deslocado?

Há também aquela disposição fodida para amar a escalação de Juliana Carneiro da Cunha e sua coragem para fazer uma cena completamente nua, mas qual é a relevância desta cena para o contexto? Será que ela não soa com-ple-ta-men-te gratuita? O elenco está cheio de nomes que já estiveram muito bem em algum outro lugar, mas não aqui, nunca aqui. Porque a ordem do diretor aqui é que eles façam teatro. A marcação de cena, a entonação, a disposição dos objetos e até, ora, a bela iluminação de Walter Carvalho são viúvas do teatro.

E o tal do “nem tudo está perdido”? Bem, não sei exatamente explicar onde ele está, mas há alguma graça naquele universo sub-Cem Anos de Solidão ou algo assim. Há uma certa nostalgia. Na verdade, acho que o que existe é uma vontade grande de que esse filme fosse melhor.

[o veneno da madrugada ]
direção: Ruy Guerra.
roteiro: Ruy Guerra e Tairone Ferrosa, com colaboração de Leonardo Gundel e baseado em livro de Gabriel Garcia Márquez .
elenco: Leonardo Medeiros, Juliana Carneiro da Cunha, Fábio Sabag, Zózimo Bulbul, Jean Pierre Noher, Rejane Arruda, Luah Galvão, Nílton Bicudo, Danielle Barros, Maria João Bastos, Amir Haddad, Emílio de Melo, Murilo Grossi, Rui Resende, Antônio Melo, Fernando Alves Pinho, Luís Luque, Mário Paulucci, Chico Tenreiro, Rui Polonah, Tonico Pereira, Fabiano Costa.
fotografia: Walter Carvalho. montagem: Mair Tavares. música: Guilherme Vaz. desenho de produção: Fernando Zagallo. figurinos: Kika Lopes. produção: Bruno Stroppiana. . duração: 118 min. o veneno da madrugada, Brasil, 2005.

nas picapes: [pedrinho, dori caymmi e bebel gilberto]

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