O herói de cada um
Estamos na América, a terra dos bravos e da liberdade, a terra da justiça, a terra dos sonhos. Nessa América, os heróis são os homens comuns, que inspiram os outros homens comuns em seu difícil dia-a-dia, sobretudo nesses anos da Grande Depressão. Se o dinheiro destruiu o país, a honra, a fé (e por que não a glória?) ressurgem nos lares americanos pelos exemplos de obstinação. Exemplos como o do boxeador Jim Braddock, que depois de cair no ostracismo, arranjar sub-empregos e mendigar o pão dos filhos, volta aos ringues para derrubar, um a um, seus inimigos, os inimigos da América simples, da América verdadeira, da América da Sol.
Para contar esta história exemplar, ninguém melhor do que um diretor que adora uma cartilha, Ron Howard. Grande conhecedor do assunto “clichês”, o rapaz com cara de macaco albino conseguiu imprimir à versão cinematográfica da saga do Homem-Cinderela um gosto de filme antigo, de coisa velha mesmo. Fotografia com cores cuidadosamente amenizadas, trilha sonora rasga-coração e estereótipos cuidadosamente mantidos: esposa forte e quietinha (Renée Zellweger sem sal nem açúcar), amigo-mentor engraçado e de bom coração (Paul Giamatti num papel que não ganha densidade nunca), vilão muito perverso (Craig Bierko em campanha pelo Framboesa de Ouro) e poderoso chefão ganancioso e impiedoso.
Mas o maior problema do filme é mesmo sua personagem central. Russell Crowe, que é um bom ator embora seja uma pessoa bem questionável, se esqueceu de dar qualquer credibilidade a seu papel. Ele, justamente ele, o australiano que vive distribuindo sopapos, resolveu interpretar um homem que não existe. Culpa talvez maior do roteirista e do diretor, que criaram um homem sem defeitos. Nos dias de hoje, fazer um filme que não tem nenhuma nuance e que se limita à primeira e rasa versão da história pudica e débil que pretende contar é quase criminoso; é brincar com a inteligência do espectador. Espectador que não foi ao cinema e, assim, condenou a campanha do filme ao Oscar (que parece ser o único motivo para este longa existir).
Pelo menos, uma coisa vale a pena: Crowe leva muita porrada.
A Luta pela Esperança
Cinderella Man, Estados Unidos, 2005.
Direção:: Ron Howard.
Roteiro: Cliff Hollingsworth e Akiva Goldsman, baseado em estória de Cliff Hollingsworth.
Elenco: Russell Crowe, Renée Zellweger, Paul Giamatti, Craig Bierko, Paddy Considine, Bruce McGill, David Huband, Connor Price, Ariel Waller, Patrick Louis, Rosemarie DeWitt, Linda Kash, Nicholas Campbell, Gene Pyrz, Chuck Samata, Ron Canada, Alicia Johnston, Troy Amos-Ross, Mark Simmons, Art Binkowski.
Fotografia: Salvatore Totino. Montagem: Daniel P. Hanley e Mike Hill. Direção de Arte: Wynn Thomas. Música: Thomas Newman. Figurino: Daniel Orlandi. Produção: Brian Grazer, Ron Howard e Penny Marshall. Site Oficial: A Luta pela Esperança. Duração: 144 min.
rodapé: vou tentar postar nos próximos dias minha primeira rodada de previsões para o Oscar 2005.
nas picapes: Downtown Train, Tom Waits.
“o rapaz com cara de macaco albino”?
Que cruel, Chico!
Agora, sem crueldade: finalmente vi “Herói”, é uma porcaria sem tamanho… Fiquei ofendido.
Esse merece, Ailton!
Vc foi mais impiedoso do que eu..ehehhe
Vem aí O Código Da Vinci…
Tenho medo de filmes do Ron Howard. Na dúvida, atravesso a rua e nem passo perto.