AMARELO MANGA
Oi… deixe eu me apresentar… o meu nome é Cláudio Assis. Eu sou pernambucano… e com muito orgulho!!! E trabalho com cinema. Sou cineasta. Um cineasta do caralho! Há uns quatro anos, fiz um curta chamado Texas Hotel, que mostrava a banda podre do Recife. Você viu? Porra, curta é foda. Ninguém consegue assistir. Foi por isso que eu resolvi fazer esse longa. Um filme pra mostrar a realidade, meu irmão! Eu tô aqui pra mostrar como a realidade desse Brasil é filha da puta e como todo mundo faz de tudo pra esconder isso. Quero mostrar os marginais, as ruas sujas, contar histórias de gente de verdade. Queria chamar atenção, bicho, mas não pra mim… pra bosta que é essa vida… Quero fazer cinema pernambucano, mostrar que Recife também tá no mapa e que o mapa tá rasgado e amassado. Foi bonito isso que eu disse, né? É claro que não dava pra colocar só atores de Pernambuco no filme, né? Ninguém iria prestar atenção. rapaz; ator chama atenção. Chamei uns caras foda, todos cult. Tem a Leona Cavalli (que tá foda, do caralho…), o Jonas Bloch (uma instituição viva, um papel corajoso…), a Dira Paes (a menina faz tudo no cinema nacional, bicho), o Chico Diaz (o alternativo favorito de todo mundo) e o Matheus… Matheus tinha que ter. Filme brasileiro sem o Matheus é melhor nem fazer. Ele tá do caralho no papel de uma bichinha afetada. O cara é muito bom. Os pernambucanos eu botei como coadjuvantes, sabe? Senão iriam me xingar, me acusar de fazer filme para paulista ver. Paulista o caralho, meu filme é pernambucano, nordestino, meu amigo, é nordestino. Eu salvei o cinema nordestino do marasmo intelectual. Vê se tem outro…
Como meu curta tinha uma idéia da porra, eu estiquei a história. Ficou do caralho. Todo mundo é perturbado, rapaz. Tem de tudo: de evangélica fervorosa a um cara que trepa com morto. Necrofilia, cara. Meu filme critica tudo. Ninguém mais faz isso, só eu. Eu cuidei de fazer com que a galera mandasse bem, queria todo mundo verdadeiro, real. Assista que você vai ver. Eu coloco umas imagens no meio das histórias par dar esse toque realista. Tem gente na favela, moscas nos meninos barrigudos, cachorros… tudo pro pessoal ver que tudo que tá ali é de verdade. Eu sou foda. Convenci até o Walter Carvalho a fazer a fotografia… Ele faz uns movimentos muitos loucos. Ficou bonito pra caralho. Tem umas cenas que eu filmei só pra chocar mesmo. Tem que chocar mesmo, né? Senão não é arte… Arte tem que ser provocativa, rapaz. Tem um close demorado numa buceta. E tem um boi sendo morto. Tem também uma cena de masturbação. Infalível. A galera fica louca. Nunca sabe como reagir… Eu queria que o brasileiro visse o que ninguém mostra. Meu filme, sem falsa modéstia, é bom pra caralho. Agora… vou te contar a minha idéia mais genial, meu irmão. Idéia. Eu coloco as minhas idéias no meio do filme. Tem umas frases no meio dos diálogos que eu coloco pra fazer a galera pensar, pra mostrar o que eu penso. Digo que o brasileiro se acostumou ao engodo, que os cabelos são idéias. E eu faço até uma pontinha, bicho. Hitchcock fazia, eu fiz também. Eu até tenho fala; digo assim: “a pureza é a maior forma de perversão”. Frase do ca-ra-lho!!! Levei uns três dias pensando. É mais ou menos isso, tem muita coisa genial no filme, não dá pra lembrar de tudo… Do caralho, né? E o melhor, bicho, tão falando pra burro do filme. Xingando e elogiando. Eu queria é isso mesmo, rapaz. Fiz o povo pensar. Do caralho!!!
P.S.: este texto é uma obra de ficção.
Amarelo Manga
Amarelo Manga, Brasil, 2003
Direção: Cláudio Assis.
Elenco: Matheus Nachtergaele, Jonas Bloch, Dira Paes, Chico Diaz, Leona Cavalli, Conceição Camarotti, Cosme Prezado Soares, Everaldo Pontes, Magdale Alves, Jones Melo.
Roteiro: Hilton Lacerda. Produção: Marcello Maia e Paulo Sacramento. Fotografia: Walter Carvalho. Edição: Paulo Sacramento. Direção e Arte: Renata Pinheiro. Figurinos: Andrea Monteiro. Música: Jorge du Peixe e Lúcio Maia.