AMÉM

O microfone da denúncia nunca pára e, depois de dar a volta no mundo, foi parar mais uma vez nas mãos do grego Konstantin Cota-Gavras. O maior ativista político do cinema desde o final dos anos 60 mirou sua metralhadora desta vez para a Igreja Católica, mas acertou no alvo ao fazer um filme contra o silêncio e não contra a instituição. O que poderia se transformar num tratado sobre a corrupção da igreja – e consequentemente ganhar ares meramente birrentos ou rançosos – virou um filme sobre as múltiplas razões que nos fazem abdicar do poder da palavra. A história de Amém é a história do silêncio de Kurt Gerstein, oficial da SS, que desenvolveu um produto para desinfetar depósitos, mas que descobriu que seu invento ganhou outro propósito para outro tipo de higiene, a higiene racial. O silêncio é a música de fundo da tentativa de Gerstein em revelar o massacre que acontecia através da Igreja Católica. Massacre com o qual não concordava, mas do qual não conseguia se desligar totalmente.

A contradição do personagem principal revela uma das mais importantes características do cinema de Costa-Gavras, a de criar homens de verdade, divididos, falhos, imperfeitos. A interpretação de Ulrich Tukur (que fez Solaris, de Steven Soderbergh) é belíssima, reforçando os defeitos do protagonista, que, apesar de tentar mudar uma situação muito maior que ele, se rende às dificuldades e ao medo que castram sua dignidade. Costa-Gavras elabora um jogo onde a cada momento Gerstein assume uma faceta diferente: a de oficial conivente ou a de sonhador ingênuo. O parceiro perfeito apareceu na figura do padre vivido pelo cada vez mais completo Matthieu Kassovitz (diretor de O Ódio e ator de Um Herói Muito Discreto), absolutamente encantandor como um homem puro que tenta mostrar para os outros que tudo está errado. Sua revolta com o silêncio é a de todos nós, que somos menos puros que ele.

Humanizando seu filme nas figuras de sua dupla de protagonista, Costa-Gavras foge do discurso e resolve contar uma história. A maior vantagem de Amém é justamente ser mais que um filme político, ser um filme sobre a recusa, o esquivmento, as prioridades, os silêncios de cada dia que nos livram de problemas maiores do que os que já temos. Não há a intenção de mostrar a corrupção do clero, os bastidores do Vaticano, muito menos a idéia de construir heróis, mas de descontrui-los. O maior prazer proporcionado pelo filme é ver como uma produção gigantesca pode ser dirigida com elegância sem se render aos dois lados do clichê. Você tem o direito de ficar calado porque tudo o que você disse pode ser usado contra você.

P.S.: este filme integra uma mostra de cinema francês que passa por Salvador e percorre o país.

Amém
Amen., França/Alemanha/Romênia/EUA, 2002
Direção: Konstantin Costa-Gavras.
Elenco: Ulrich Tukur, Mathieu Kassovitz, Ulrich Mühe, Michel Duchaussoy, Ion Caramitru, Marcel Iures, Friedrich von Thun, Antje Schmidt, Hanns Zischler, Sebastian Koch, Erich Hallhuber, Burkhard Heyl, Angus MacInnes, Bernd Fischerauer, Pierre Franckh, Richard Durden, Monika Bleibtreu, Justus von Dohnanyi, Günther Maria Halmer, August Zirner, Horatiu Malaele, Ovidiu Cuncea.
Roteiro: Costa-Gavras e Jean-Claude Grumberg, com base na peça Stellvertreter, de Rolf Hochhuth.. Produção: Claude Berri, Andrei Boncea e Michèle Ray-Gavras. Fotografia: Patrick Blossier. Edição: Yannick Kergoat. Direção de Arte: Ari Hantke. Figurinos: Edith Vesperini. Música: Armand Amar.

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