Serra Pelada, o novo filme de Heitor Dhalia, tenta esconder suas simplificações atrás da fotografia “realista”. Realista porque, de uns tempos para cá, as imagens trêmulas viraram arma dos cineastas mundo afora para dar credibilidade às tramas de seus filmes e aos dramas de seus personagens. Basta chacoalhar a câmera para se chegar à verdade, imaginam muitos diretores, empurrando para debaixo do tapete qualquer tentativa de se aprofundar nos temas tratados. E o El Dorado brasileiro seria um tema de primeira, caso caísse nas mãos de alguém que tentasse traduzir aquele universo riquíssimo – literalmente ou não – e não apenas usá-lo como cenário para uma história qualquer.
O problema maior talvez nem seja se aproveitar da Serra Pelada para ambientar uma ficção, mas, dentro de um suposto passeio cronológico pelo lugar, ignorar fatos importantes na história do principal garimpo brasileiro, como a intervenção do governo, citada rapidamente, e passar ao largo de personagens que, em maior ou menor escala, influenciariam tudo o que acontece na tela. Por isso, antes de ver a ficção de Heitor Dhalia seria interessante assistir ao documentário que Victor Lopes passou anos para concluir. Serra Pelada: A Lenda da Montanha de Ouro é bem mais detalhista em relação às informações que este longa apresenta didaticamente no voice over de Júlio Andrade.
Esse didatismo acompanha todo o filme, que utiliza trechos de matérias do Jornal Nacional já em seus créditos. O roteiro de Serra Pelada se concentra em acompanhar a história dos dois amigos que tentam a fortuna no garimpo, mas, incapaz de dramatizar a trajetória desse garimpo, que mostra desde o começo, resolve cuspir informações sobre ele numa narração em off e não atrapalhar o fluxo da trama. Tudo é bastante sintetizado, mastigado, para não dar muito trabalho ao espectador. O primeiro plano do longa é um close up do rosto de Juliano Cazarré, que já anuncia que a história que virá não terá um final muito feliz. Ele e Andrade estão muito bem em cena, mas suas interpretações empacam na falta de profundidade do filme. As transformações do personagem de Cazarré, assim como todas as informações importantes do filme, são anunciadas pelo voice over.
A direção de arte é mais competente na recriação do universo de Serra Pelada, embora pareça servir ao mesmo propósito de didatismo que se espalha pelo filme e a preocupação é muito mais embelezar do que traduzir a época. Tanto é que, a certa altura, o espectador prefere as cenas fora do garimpo, nas cidades criadas para abrigar bares e prostitutas porque, além de serem visualmente mais estimulantes, elas concentram mais história. Os figurinos, no entanto, funcionam muito bem, sobretudo os de Sophie Charlotte, escolha estranha para o papel, mas que não chega a incomodar. Do elenco, enquanto Matheus Nachtergaele se repete, quem se destaca mesmo é Wagner Moura, que faz picadinho do texto e entrega sua melhor performance em anos. O ator devora tudo a seu redor. É muito melhor do que todos em cena; é muito maior do que o filme como um todo.
Filme que só surpreende na caracterização das Marias, as bichas garimpeiras, furiosas e agressivas, comandadas por Lyu Arrisson, o travesti de Ó Paí, Ó e Jesuíta Barbosa, a revelação do ótimo Tatuagem. O roteiro não se acanha em transformá-las em vilãs, apesar de dedicar poucas cenas para elas, sem medo de infringir as regras do politicamente correto. A ousadia de Serra Pelada morre aqui. De resto, o filme prefere trafegar pelo seguro, pelo pedagógico, mesmo sem ser muito fiel à história do garimpo, e por tudo que é plástico. E, de belas imagens, a montanha de ouro e o inferno estão cheios.
Serra Pelada ½
[Serra Pelada, Heitor Dhalia, 2013]