Das casas amaldiçoadas e do que elas escondem

Terror tem que assustar. Isso é mérito máximo para filmes do gênero, mas num ano cheio de tentativas, o número de sustos foi insatisfatório. Na falta deles, durante boa parte da projeção de Chave Mestra, fiquei me questionando sobre talento. Kate Hudson, por exemplo, depois de sua encantadora performance como a Penny Lane de Quase Famosos (Cameron Crowe, 2000), onde foi elogiadíssima, quase ganhou um Oscar e tudo mais, nunca mais fez nada que justificasse tomá-la por grande atriz, ou pior, por boa atriz. Gena Rowlands, pelo contrário, mesmo renegada a papel de vilã em filme de terror, nunca aparece menos que muito eficiente. No filme de Iain Softley, é ela quem dá alguma intenção à história.

Em meio a um gênero quase que totalmente dominado por material escrito no Japão com crianças cabeludas que vêm e vão, é um certo alento assistir a um filme que foge deste gueto, mesmo assinado pelo roteirista que fez a releitura americana para Ringu (Hideo Nakata, 1999). O sobrenatural é quem domina as coisas por aqui mais uma vez: uma espécie de magia negra praticada no sul dos Estados Unidos e sua estranha relação com uma propriedade onde mora um casal de velhos. Softley, em primeira experiência no gênero, filma tudo de uma maneira muito asséptica, apesar da bela direção de arte. A “casa amaldiçoada” nunca parece muito assustadora, embora a elegância da performance de Gena Rowlands tente contribuir para isso. O melhor é o final, que surpreende.

Por falar em casa maligna, vamos a uma das mais famosas. A refilmagem de A Cidade do Horror, clássico do cinema sobrenatural de 1979, tem as assinatura de Michael Bay na produção, o que nunca é um bom sinal, mas, ao contrário do remake gratuito de O Massacre da Serra Elétrica (Marcus Nispel, 2003), também produzido por ele, é um filme surpreendentemente muito bom, dono de alguns dos melhores sustos do ano. O diretor Andrew Douglas se aproveita da tática das aparições-relâmpago para apresentar seus fantasmas, mas não tem vergonha de mostrá-los, deixando-os ao alcance dos olhos o suficiente para garantir os calafrios. O roteiro ainda explora os temores primários, experiências verdadeiramente apavorantes, sobretudo para as crianças. A cena da ida do pequeno Michael ao banheiro é especial.

Lembro pouquíssimo do filme original, visto numa sessão da antiga TV Manchete, mas sei que levei muitos sustos, mérito que se repete aqui. Mas, além de ser assustador, Horror em Amityville elabora um curioso, ainda que insatisfatório, ensaio sobre uma família que tenta estar inteira, completa. Isso é especialmente notado no papel de Ryan Reynolds, que ganha as vezes de vilão involuntário, antes mesmo de conquistar seu posto de herói na sua própria casa. E, em seguida, na cansativa operação de Melissa George para afastar todos os seus do “mal”. A dicotomia de que quem deveria proteger se transformou em inimigo faz o filme pontuar.

Chave Mestra
The Skeleton Key, Estados Unidos, 2005.
Direção: Iain Softley.
Roteiro: Ehren Kruger.
Elenco: Kate Hudson, Gena Rowlands, John Hurt, Peter Sarsgaard, Joy Bryant, Maxine Barnett, Fahnlohnee R. Harris, Thomas Uskali, Forrest Landis, Jamie Lee Redmon, Ronald McCall, Jeryl Prescott, Trula M. Marcus, Tonya Staten, Deneen Tyler, Marion Zinser.
Fotografia: Daniel Mindel. Montagem: Joe Hutshing. Direção de Arte: John Beard. Música: Edward Shearmur. Figurinos: Louise Frogley. Produção: Daniel Bobker, Michael Shamberg, Stacey Sher e Iain Softley. Site Oficial: Chave Mestra. Duração: 104 min.

Horror em Amityville
The Amityville Horror, Estados Unidos, 2005.
Direção: Andrew Douglas.
Roteiro: Scott Kosar, baseado no roteiro de Sandor Stern para A Cidade do Horror (1979), e no livro de Jay Anson.
Elenco: Ryan Reynolds, Melissa George, Jesse James, Jimmy Bennett, Chloe Moretz, Philip Baker Hall, Rachel Nichols, Isabel Conner, Brendan Donaldson, Rich Komenick, Annabel Armour, Danny McCarthy, José Taitano.
Fotografia: Peter Lyons Collister. Montagem: Roger Barton e Christian Wagner. Direção de Arte: Jennifer Williams. Música: Steve Jablonsky. Figurinos: David C. Robinson. Produção: Michael Bay, Andrew Form e Bradley Fuller. Site Oficial: Horror em Amityville. Duração: 90 min.

nas picapes: As Ugly as I Seem, The White Stripes.

Comentários

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21 comentários sobre “A Chave Mestra”

  1. Vc reacendeu a minha vontade de ver HORROR EM AMYTIVILLE, Chico. Já estava quase desistindo. Quem sabe eu vejo ainda.. Vi ontem A CHAVE MESTRA e gostei. Pô, não gostar da Kate Hudson?? Pode isso? Hehehe

    Ah, pelo menos aqui em casa, estou vendo as cotações.

  2. Não é ruim, Diego, mas é meio sem sal. O que é melhor é o desenho da personagem. Mal comparando, a Gena Rowlands, que tem um papel muito mais óbvio, consegue driblar tudo com um simples olhar.

    Henrique, eu fiquei aterrorizado com aquela cena. Eu já morei em casas com fantasmas e já tive que ir ao banheiro.

  3. A protagonista do Chave Mestra também é interessante, e não vejo a atuação da Kate Hudson como ruim não. É uma personagem que não faz exatamente o que se espera quando vê aquela porta, por exemplo. Ela vai em frente, é cética, curiosa. A desconstrução do ceticismo dela ao longo do filme é falha, acho, mas a idéia é boa.

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