[o palco como herança]

Há algumas semanas, eu editei uma matéria para a TV em que trabalho sobre o lançamento em Salvador do filme A Máquina, estréia de João Falcão na direção de um longa-metragem. Na entrevista, Falcão afirmava que tinha seguido um caminho completamente diferente do proposto na peça homônima que havia dirigido anteriormente, a partir do mesmo livro de sua mulher, Adriana. Eu demorei bastante para ver o filme e fiquei perplexo com o resultado. Os trechos da entrevista que eu selecionei para ir ao ar não eram verdade. João Falcão foi bem desonesto porque A Máquina, o filme, é teatro, puro teatro.

Da cenografia competente e assumidamente fake (eu não desgosto de cenografias assumidamente fakes quando elas funcionam em favor dos filmes) à marcação do espaço para os atores em cena, tudo é herança do palco, herança que Falcão, tão elogiado pela versão teatral da história, não soube traduzir para o cinema. Quando a gente percebe que um filme se utiliza de elementos de outra forma de expressão para brincar, estamos com um diretor um passo a frente da linguagem de cinema. O cara já domina a linguagem e parte para as referências, para a brincadeira. Mas este está longe de ser o caso aqui.

Mesmo quando tenta usar a montagem para tentar fazer um filme leve e inventivo, Falcão se mostra absolutamente inábil e os resultados são, na melhor das hipóteses, ingênuos, mas seriam melhor definidos como primários. Completamente preso aos cacoetes teatrais, A Máquina não se livrou nem daqueles diálogos montanha-russa em que os atores, para parecerem bons atores, falam muitas coisas muito rápido (e, claro, com muitas frases de efeito). E Gustavo Falcão, ótimo em Árido Movie, com a inconsistência da direção, entrega uma interpretação inexpressiva.

Então, a culpa toda é do tal do João Falcão? Da tal da tradução? Não totalmente porque o texto de que muita gente gosta muito é uma bobagem, recorre a lugares comuns dos mais desgastados, exalta o nordestino por aquela tática perversa de vendê-lo como o ser esquisito, engraçadinho, quase um bichinho. A Máquina, o filme, é uma mentira das grandes. Mas A Máquina, o texto original, já não era grande coisa mesmo.

[a máquina ]
direção: João Falcão. roteiro: João Falcão e Adriana Falcão, baseado em livro de Adriana Falcão. elenco: Gustavo Falcão, Mariana Ximenes, Paulo Autran, Euclides Pegado, Vladimir Brichta, Cristiane Ferreira, Fabiana Karla, Fernanda Beling, Fabrício Boliveira, Val Perré, Mariz, Osvaldo Mil, Prazeres Barbosa, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Aramis Trindade, Zéu Britto. fotografia: Walter Carvalho. montagem: Natara Ney. música: DJ Dolores, Chico Buarque e Robertinho do Recife. desenho de produção: Marcus Figueiroa. figurinos: Kika Lopes. produção: Diler Trindade. site oficial:
a máquina. duração: 90 min. a máquina, brasil, 2006.

nas picapes: [como se fosse a primavera, chico buarque]

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