Bastidores do fim de uma guerra

Taí um filme difícil de se falar sem chover no molhado. Apesar de um certo exagero de algumas publicações que enxergaram aqui uma obra-prima, não há muito como escapar dos elogios à performance de Bruno Ganz e ao tratamento dado a Hitler, provavelmente a menos idealizada versão do comandante do III Reich. A caracterização do líder ariano é impressionante nos trejeitos e na mistura de uma educação irretocável com uma fúria explosiva. Hitler parece mais que real do que nunca.

Mas nem só de Bruno Ganz vive o filme de Olivier Hirschbiegel, que cria uma bela teia de relacionamentos para tecer os momentos finais do império alemão. As mais de duas horas e meia de filme servem para trabalhar personagens com grande ou menor valor histórico, dando uma dimensão rara à cúpula do nacional-socialismo. Hirschbiegel divide a ação entre personagens comuns, como a secretária do füher ou o menino-soldado, e personagens históricos, entre eles os principais oficiais, ministros e assessores de Hitler.

A composição de Magda Goebbels, que tem uma das cenas-solo mais fortes do filme (ainda que bastante calculada para ter tal efeito), garante a melhor performance feminina, embora a mesma Julianne Köhler de Lugar Nenhum na África (2002) esteja muito bem como a controversa Eva Braun – personagem que, por sinal, já tinha ganho uma excelente interpretação de Elena Rufanova no Moloch (1999) de Aleksandr Sokúrov. Köhler e o tom de desacerto que impõe a sua Eva combinam com a própria construção do filme, que toma emprestado o caos do governo decadente.

Talvez seja essa a maior qualidade do longa: mostrar que aquela Alemanha era Hitler e que, o fim dele foi o fim daquela Alemanha. Nesse sentido, Ganz consegue transitar com extrema facilidade entre o homem comum e o líder conquistador que “inventou” aquele país, que impôs aquela mentalidade, que inspirou uma história bem cruel. E não retratar Hitler como apenas mais um vilão é uma decisão corajosa e acertada. Racismo e intolerância estão lado de sorrisos e lágrimas. Ganz preenche tantas lacunas, está tão integrado a todos os prismas por onde o führer pode ser visto que provoca até alguma identificação. Ousado ou oportunista?

A QUEDA! AS ÚLTIMAS HORAS DE HITLER
Der Untertang/Downfall, Alemanha/Itália/Áustria, 2004.
Direção: Oliver Hirschbiegel.
Roteiro: Bernd Eichinger, baseado nos livros de Joachim Fest e de Melissa Müller e Traudl Junge.
Elenco: Bruno Ganz, Alexandra Maria Lara, Corinna Harfouch, Ulrich Matthes, Juliane Köhler, Heino Ferch, Christian Berkel, Matthias Habich, Thomas Kretschmann, Michael Mendl, André Hennicke, Ulrich Noethen, Birgit Minichmayr, Rolf Kanies, Justus von Dohnanyi, Dieter Mann, Christian Redl, Götz Otto.
Fotografia: Rainer Klausmann. Direção de Arte: Bernd Lepel. Música: Stephan Zacharias. Montagem: Hans Funck. Figurinos: Claudia Bobsin. Produção Bernd Eichinger. Site Oficial: A Queda! As Últimas Horas de Hitler.

rodapé: segundo a distribuidora brasileira (esforçada, com um megalançamento nacional) o filme concorreu ao Oscar de melhor filme “extrangeiro” (sic).

nas picapes: We Live Again, Beck.

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