Segundo o Houaiss, o primeiro significado para a palavra revolução é “ato ou efeito de revolucionar(-se), de realizar ou sofrer uma mudança sensível”. Nesse sentido, o novo filme de James Cameron, o primeiro longa de ficção que o diretor lança depois de Titanic, é um exemplo perfeito para esse substantivo. Avatar, inegavelmente, é um marco não apenas na ficção-científica, mas na utilização da tecnologia no cinema. Daqui a alguns anos, o filme vai ser considerado um divisor de águas, algo como uma ovelha Dolly para a clonagem.
O longa de Cameron demorou quase uma década e meia para ser feito simplesmente porque não havia tecnologia disponível para materializar o que o cineasta havia imaginado. A concepção visual de Avatar tem um tanto de megalomaníaca, mas é extremamente fiel ao “tamanho” do filme. Ou mais exatamente ao tamanho do pacote que Cameron encomendou: além de um planeta selvagem e uma civilização completamente nova, o homem inventou uma simbiose místico-orgânica entre os habitantes deste novo mundo e o lugar onde vivem que é o maior diferencial do filme. Não dá para chamar Avatar por um adjetivo menor do que gigantesco.
A ousadia do diretor é sempre bem-vinda. Desde o guilty pleasure Piranhas 2 – As Assassinas Voadoras, todos os longas do diretor são deliciosos, incluindo os dois primeiros Exterminador do Futuro, Aliens e True Lies. Pouquíssimos diretores conseguem trabalhar no mesmo plano de Cameron e realizar filmes inteligentes e extremamente pop. Avatar tem a mesma sofisticação visual do restante da filmografia do diretor. No modo “giga” desta vez.
Cameron nos entrega um planeta elaboradíssimo visualmente, que mistura elementos de florestas tropicais com pura imaginação, inventa uma nova linguagem de animação que os personagens criados por computador, cria batalhas épicas, explorando ao máximo seus cenários e seus personagens revolucionários e faz mais uma aventura que nos joga num carrossel em alta velocidade, nos faz esquecer da vida e torcer pelos mocinhos no embate final. Avatar, do alto de toda sua tecnologia, nos remete ao primórdios do cinema de aventura, onde ver seu favorito ganhar era a maior das recompensas.
Minha única questão é: a premissa do filme precisava mesmo ser tão simples, ou melhor, tão ingênua? Porque, por mais que haja elaboração nos conceitos relacionados aos Na’vi e a Pandora, Avatar é um filme de mensagem como há muito tempo não se via. James Cameron nos convida a preservar o meio-ambiente, respeitar as diferenças étnicas e religiosas e as tradições, lutar pelos mais fracos. O mesmo homem que inventou esse arsenal todo de novidades também nos ensina que os bons são bons e os maus são maus, que existe um certo e um errado, que se a gente continuar agindo contra a Mãe Natureza, ela vai se voltar contra nós.
São premissas cruas demais que quase entram em conflito com a embalagem que o diretor deu ao filme. Cameron, no entanto, está protagido pelo Houaiss. Um dos significados secundários para a palavra revolução no dicionário é “movimento circular ou elíptico no qual um móvel volta à sua posição inicial”. Avatar faz exatamente isso. Sua tecnologia é apenas suporte. Ela realmente deve mudar nossa relação com a imagem e com o cinema. Mas no fundo, no fundo, este filme é apenas uma grande aventura. Daquelas de antigamente.
Avatar
[Avatar, James Cameron, 2009]
Adriano, Davi, fora que os Na’vi são interpretados por atores não caucasianos, como Wes Studi, CCH Pounder, Zoe Saldana e Laz Alonso.
Essa questão Etnocentrica que o Adriano citou, foi alvo de discussão do pessoal do curso de Ciências Sociais da PUC/SP.
Chico, só discordo da idéia de que este filme seja uma “revolução”, um divisor de águas. Não é. O que mais me surpreendeu no filme foi a verossimilhança dos personagens digitais. Nunca se viu tanta expressividade facial em bonecos gerados por computador. Mas mesmo isso não surge do nada, é a evolução natural da tecnologia de captura de movimentos e expressões faciais de atores que já havia nos dado o Gollum e o impressionante King Kong (sem falar nos filmes irregulares de Zemeckis).
Conservador na temática, Avatar aposta na antiga idéia de que as vítimas indefesas só podem ser salvas pela intervenção do homem branco que vem de fora, a mesma lógica de filmes como O Último Samurai ou mesmo A Lista de Schildler. O salvador é um homem imperfeito (alcoolatra, egocentrico, egoísta) que se redime a partir da imersão na cultura diferente e se torna mais nativo que os próprios nativos — Tom Cruise se torna mais samurai que os samurais japoneses, Schindler recebe homenagens como num enterro judeu, Jake consegue unificar as várias tribos Na’vi etc. As vítimas continuam em segundo plano e ao final cobrem o salvador da pátria de glórias como um semi-deus.
E a xaropada pseudo-ecológica?
Resumo: impressionante visualmente, de historinha fraca, mas muito bem contada, Avatar vale o preço caro do ingresso 3d mas não sobrevive muito na memória após a exibição. Talvez o filme mais fraquinho de Cameron.
Diego,
A premissa é simples. Mas pode-se desenvolver algo bem elaborado. Sei lá, vou tentar dar um exemplo fora do cinema: música. Você com três notas fazer Hey Ho, Let’s go e também, fazer algo como indie punk mais complexo. Sacas? hehe
Chico,
Acho que sim. Para que já capta a mensagem logo, o filme – com um desenvolvimento mais elaborado -, poderia prender mais atenção. Mas (pensei isso, enquanto escrevia isso), talvez até seja de “propósito” isso. Afinal, é um filme de grande público, e, na maioria dos casos, procuram em primeiro lugar entretenimento.Isso talvez advogue a favor do roteiro, corroborando o Diego.
Nesse sentido, Diego, concordo com você. Não vejo problema na ingenuidade. Só queria mais.
Davi, acredito que se a história tivesse um pouco mais de complexidade o resultado seria mais forte. Será?
Concordo que o faltou ser melhor elaborado.
Vendo o filme, em alguns momentos, ele fica totalmente previsível, mas de um jeito chato, daquele jeito que te tira da história e te faz apenas reparar no aparto técnico do filme.
Não sei até que ponto isso é bom.
Talvez, com menos sofisticação visual e melhor elaboração do desenvolvimento da história, ele tivesse um impacto muito mais marcante.
Bruno, acho que faltou foi uma pouco mais de complexidade no roteiro.
Layo, é difícil me jogar 16 anos atrás, mas suspeito de que concordo com você.
Wally, não exagera, hehe. Mas valeu.
Alice, obrigado. Vale a pena ver o filme, viu? E se vc puder, veja em 3D e no Imax.
Chico, acho que, sem exageros, seu texto é um dos melhores que li esse ano em blogs, e provavelmente o melhor que li até agora sobre AVATAR. Define perfeitamente o filme, em todos os aspectos. Parabéns!
Prefiro, mil vezes, o impacto de Jurassic Park em 1993.
criaram um dialeto inteiro para o filme, mas roteiro que é bom, faltou.