Batman: ano zero

Christian Bale não é um bom ator. Quem o observa com mais atenção percebe logo que ele tem alguns trejeitos de canastrão. Embora isso apareça em vários momentos de Batman Begins, seja no tom de voz adotado pelo ator, seja em cenas que precisavam expressões mais delicadas, Bale consegue ser um bom Bruce Wayne. George Clooney, que tem o mesmo problema de seu herdeiro e que foi o astro do filme que enterrou a personagem no cinema por oito anos, era um pouco melhor, mas teve o diretor errado.

É justamente por causa do estrago feito pelo seu antecessor que Christopher Nolan reescreveu o passado do herói no cinema. O título já indica que este filme começa do começo. E, apesar de tomar várias liberdades históricas para com a personagem, consegue fundamentá-las bem e se manter fiel ao, olha o clichê, “espírito” da criação de Bob Kane. Engraçado perceber que foi o autor do medíocre Blade Trinity, a que curiosamente eu assisti esta semana, quem escreveu o argumento e co-assina o roteiro.

Primeiro, é extremamente feliz a idéia de estruturar o roteiro a partir do medo. Isso pontua todo o filme, contamina desde o tratamento dado a Bruce Wayne até as personagens que o cercam. O clima sombrio está de volta depois do carro alegórico de Joel Schumacher, Batman está mais maduro. Os flashbacks, possível herança do mais famoso filme de Nolan, que poderiam seguir o caminho da pieguice ou tentar excessivamente fundamentar as motivações da personagem, são utilizados com habilidade, nos momentos certos.

Se Bale é um protagonista apenas eficiente, seus coadjuvantes são perfeitos. A fofinha da Katie Holmes está sempre bem em cena e há pequenas porém excelentes performances de Gary Oldman, como o ainda sargento Gordon, Liam Neeson, numa interpretação mais consistente que a de Kinsey (Bill Condon, 2004), e Cillian Murphy, muitíssimo à vontade com a perturbação do Espantalho, que, por sinal, ganhou um tratamento diferenciado e, por isso mesmo, muito bom.

Os acertos do casting ainda incluem Tom Wilkinson, um ator que nunca recebe tantos elogios quanto merece: está absolutamente fantástico num papel que facilmente poderia cair na mesmice. Mas é Michael Caine quem domina todas as cenas em que aparece. O mordomo Alfred, que já era um dos melhores personagens da DC, ganhou uma performance tão legítima quanto emocionada – é uma honra assistir a um filme com um ator destes.

Mas toda a discussão sobre Batman Begins parece ser se ele é ou não o melhor filme da personagem. Os elogios ao longa foram tantos que passaram por cima do maior defeito do filme: um certo didatismo em querer mostrar o passo a passo da construção do herói. Defeito que é o maior, mas que nem é tão grande assim. Os acertos são muitos mais, principalmente no desenho da personagem. O Batman que aparece na tela é o Batman dos quadrinhos, é o herói (anti-herói?) à parte, que vive às sombras, que raramente se mostra. Que se move pela justiça. Se é melhor que os longas de Tim Burton, trabalhos de que eu gosto muito, realmente não sei. Talvez estejam no mesmo nível, embora sejam de certa forma bem diferentes. Esta não é a discussão. Batman está de volta. E voltou em forma.

BATMAN BEGINS
Batman Begins, Estados Unidos, 2005.
Direção: Christopher Nolan.
Roteiro: Christopher Nolan e David S. Goyer, a partir do argumento de Goyer, baseados na personagem criada por Bob Kane para a DC Comics.
Elenco: Christian Bale, Michael Caine, Liam Neeson, Katie Holmes, Gary Oldman, Cillian Murphy, Tom Wilkinson, Rutger Hauer, Ken Watanabe, Mark Boone Junior, Linus Roache, Morgan Freeman, Larry Holden, Sara Stewart, Gus Lewis, Richard Brake, Rade Serbedzija, Emma Lockhart.
Fotografia: Wally Pfister. Direção de Arte: Nathan Crowley. Música: James Newton Howard e Hans Zimmer. Montagem: Lee Smith. Figurinos: Lindy Hemming. Produção: Larry J. Franco, Charles Roven e Emma Thomas. Site Oficial: Batman Begins.

nas picapes:
The Concept, Teenage Fanclub
What You Do To Me, Teenage Fanclub
Take Control, Weezer.

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