O cinema nasceu espetáculo. E por mais que se afirme a cada dia como arte maior, sempre o será. A maior encarnação do espetáculo no cinema é o musical, gênero que explora as possibilidades da técnica e da capacidade de encantamento. O musical nasceu nos anos 30, logo depois que o cinema ganhou som. A Broadway mudou de endereço e a melodia invadiu as telas e o imaginário popular numa intensidade nunca antes vista ou sonhada.

Durante décadas, o gênero gerou clássicos majestosos, personagens inesquecíveis, ganhou as bilheterias e sofreu metamorfoses múltiplas para se acomodar às transformações do mundo. Gene Kelly, Frank Sinatra, Debbie Reynolds, Ginger Rogers e, mais que todos, Fred Astaire conquistaram lugar especial na memória e no coração das platéias. Até que o tempo se encarregou de passar. E, exceto por exemplos específicos, o musical definhou até seu triste fim. Era impossível adequar o gênero ao gosto do homem e do espectador moderno.

Até que um homem descobriu a fórmula: ser moderno. Baz Luhrmann construiu Moulin Rouge como o musical exato para a platéia de hoje: um ídolo pop, linguagem acelerada e muitos hits. O filme, excepcional, reinaugurou o gênero e tornou viável uma série de possibilidades fílmicas. Eis que surge Chicago, filme de Rob Marshall baseado na peça de Maurine Dallas Watkins e no musical consequentemente adaptado deste texto por Bob Fosse, o maior gênio da última fase do filme cantado no cinema.

Chicago é espetáculo puro. Grandioso, extremamente bem executado, assumidamente popular. Apesar do subtexto crítico de Watkins, o filme de Rob Marshall é, mais que qualquer outra coisa, um show. A direção de arte e figurinos celebram o exagero e a beleza plástica. A fotografia em jatos de luz colorida cria um ambiente de palco eterno. A edição, extremamente competente, trabalha com plenitude a relação entre os números musicais e as seqüências dramáticas, criando um longa-metragem coeso e bem montado.

Renée Zellweger parece retirada de um filme dos anos 40 e Catherine Zeta-Jones é a encarnação mais perfeita de Cyd Charisse, com a diferença que sabe interpretar. Mulher voluptuosa, belíssima e exímia dançarina, ela domina cada momento que aparece no filme com seu magnetismo natural, sobretudo nas cenas de dança. Mas a grande surpresa no elenco de Chicago é Richard Gere, no seu momento mais inspirado no cinema. Gere dá vida ao cinismo do texto com competência assustadora e não faz feio nos números musicais. E os astros ajudam a atrair platéias.

Mas a relação entre Chicago e os musicais renovados por Moulin Rouge não vai muito longe porque o filme renega qualquer modernidade. Esquece as canções de sucesso popular e qualquer forma mais contemporânea de contar uma história com música. Assume-se como musical clássico e adota o vaudeville, com direção à moda antiga. E é na direção que Chicago mostra suas maiores habilidade e fragilidade. Enquanto executa as coreografias delirantes de Bob Fosse com extrema competência para um primeiro contato com o cinema, Rob Marshall mostra inocência na direção de elenco. Os atores têm ótimos desempenhos isoladamente, mas raramente são excepcionais em conjunto nas cenas dramáticas. As personagens de Queen Latifah e John C. Reilly são pouco aproveitadas apesar das boas atuações.

E o que atrai, o show, também causa estranhamento. Chicago assume a forma de um musical clássico do cinema e não há gênero mais norte-americano do que esse. O filme se constrói e se sustenta pela nostalgia, mas se alimenta do próprio brilho. É feito para si mesmo. É feito para a Broadway, para Hollywood, para a auto-proclamada América. É umbigo. Precisou de uma campanha de R$ 30 milhões de dólares para ganhar todos os Oscars que deve ganhar. E, por isso mesmo, talvez nunca vá ocupar lugar de destaque ao lado de Cantando na Chuva ou Cabaret. Talvez nem haja essa intenção. Porque Chicago é um filme-espetáculo, nunca um filme espetacular.

Chicago EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Chicago, Rob Marshall, 2002]

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