Elysium

A época é o futuro, um não muito distante. Lá, existem duas possibilidades. Os muito ricos fugiram e vivem a utopia. Moram em Elysium, um satélite na órbita da Terra, espécie de resort de luxo, onde as únicas atividades parecem ser tomar champagne e nadar em piscinas aquecidas – e a parte cansativa é ter que entrar numa máquina que cura doenças, inclusive o câncer. Já os muito pobres continuam no nosso planeta. Vivem a distopia, seja em favelas, horizontais ou verticais, ou nas fábricas em que produzem o modo de vida dos moradores mais nobres, e sempre estão sujeitos à truculência policial. Então, se Elysium é um filme sobre o conflito de classes, onde está a classe média?

Neill Blomkamp revitalizou a ficção-científica quatro anos atrás com um filme que transformou aliens em seres marginalizados, condenados à vida em bairros apartados. Distrito 9 foi um dos filmes políticos mais contundentes dos últimos anos, mas seu recorte era específico: muito mais do que um longa que mirava na sobrevivência de uma espécie sobre a outra, o filme atacava o preconceito, principalmente o preconceito étnico. Utilizando personagens e símbolos de um gênero tradicionalmente menos “sério”, o cineasta fez uma metáfora poderosa sobre a nossa sociedade.

Elysium, novo longa do diretor, oferece um novo capítulo a essa temática. Dessa vez, não existem extraterrestres, nem se fala deles por sinal. A humanidade é que está dividida, rachada mais do que nunca entre pobres e ricos. A segregação é tratada como fruto imediato de como a sociedade se organiza nos dias de hoje. O texto, escrito pelo próprio cineasta, costura uma série de pequenas observações políticas e até sociológicas à embalagem pop do filme. Mais uma vez, Blomkamp é extremamente feliz em materializar o futuro que prevê seu longa: sua direção de arte, com efeitos visuais ou não, consegue criar um futuro sujo, muito mais de acordo com o mundo em que vivemos

Mas este futuro do presente desenhado pelo diretor nesse projeto mais ambicioso peca por alguma simplificações. A maior delas é: onde diabos foi parar a classe média? Não existem mais camadas sociais no futuro apresentado pelo filme: apenas muito ricos e pobres. O que chega mais perto de ser uma classe média se resume à médica vivida por Alice Braga e ao chefe imediato do protagonista, mais um capataz do que qualquer outra coisa. No entanto, nessa tentativa de ultrarrealidade do filme, os dois parecem estar na mesma situação dos operários miseráveis. Elysium não explica o que aconteceu com pequenos empresários, profissionais liberais e até mesmo com os menos ricos. Eles parecem ter sido apagados do futuro.

É certo que, sem precisar explicar essa estrutura social, o roteiro deixa pobres e ricos ainda mais fortes, ainda mais opostos. Blomkamp pode ter escolhido polarizar a discussão em favor de estabelecer melhor quem são seus personagens. Com heróis e vilões definidos, fica mais fácil dar motivação para seu protagonista, um homem predestinado. Matt Damon interpreta um ex-delinquente que hoje ganha a vida honestamente como operário de uma indústria. Ele não quer se meter em confusão, então lava as mãos em relação à tirania como os habitantes de Elysium conduzem a vida na Terra até que é forçado a se envolver.

Essa é uma vitória parcial do roteiro. Está claro quem são os heróis, mas eles não estão bem certos de sua condição. Os personagens de Damon e Alice Braga preferem cuidar de seus problemas do que lutar por um bem maior. São desiludidos em relação à política, acomodados em relação à opressão, vão para o combate por razões pessoais. Por outro lado, Spider, papel de Wagner Moura em sua estreia hollywoodiana, é o melhor desenhado. Ele “lidera” uma revolução, mas abertamente ganha por isso. É dono da moral mais duvidosa do filme, o que o transforma no personagem mais interessante, mesmo que sua interpretação, correta, não seja muito novidade para qualquer brasileiro que tenha visto um de seus filmes ou novelas. Em contrapartida, os “vilões” são de uma caricatura impressionante.

Blomkamp é simplista em reduzi-los a pessoas “ambiciosas e sem escrúpulos”, definição de personagens de novelas mexicanas. E é nesse tom, o de novela mexicana, que Jodie Foster, uma das maiores enganações do cinema americano, opera. Seja no gestual ou no texto, a atriz não sai da caricatura. Cada fala, cada cena em que ela aparece diminui as conquistas que o filme havia conseguido até então. A mexicanização de sua personagem descredibiliza o conceito de Elysium, o satélite, ressaltando a superficialidade de como foi caracterizado o lugar. Essa superficialidade, essa simplificação, que se resumia a caracterização de personagens e lugares, na meia hora final, rapidamente toma conta do filme.

O flashback do início, que revela a predestinação do personagem de Damon, volta em looping, explicando didaticamente ao espectador o momento “mágico” que ele está vivendo. Para materializar esse momento, o filme se transforma num thriller banal em que a força bruta assume às rédeas para agradar um espectador menos exigente. Sharlto Copley, que tinha um dos personagens mais interessantes do filme, se transforma em simplesmente mais um vilão. E a moral duvidosa do personagem de Wagner Moura desaparece diante de uma iluminação superior. A meia hora final não somente banaliza o tema, generaliza a discussão, sepulta o autoral. Blomkamp recorre a uma fórmula que “limpa” o filme. Esses 30 minutos finais vão de encontro a tudo o que filme construiu. Elysium, em certo momento, consegue ser um grande filme, mas se complica ao querer ser grande demais.

Elysium EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Elysium, Neill Blomkamp, 2013]

http://www.youtube.com/watch?v=GD-JIVcczvA

Comentários

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11 comentários sobre “Elysium”

  1. Na Los Angeles ultrapoluída de Ridley Scott (Blade Runner) também não há classe média. O policial que sai em busca do personagem de Harrison Ford, no começo do filme, resume tudo em poucas palavras: ” ou você é tira, ou é ralé”. E, na verdade, se a humanidade não conseguir escapar/ultrapassar a armadilha capitalista este é um futuro bem plausível. Mas, você define bem a classe média ao descrever os personagens de Damon e Alice Braga: “preferem cuidar de seus problemas do que lutar por um bem maior. São desiludidos em relação à política, acomodados em relação à opressão, vão para o combate por razões pessoais”.

  2. Concordo com o Adriano e com o Chico, o filme é tão simplista e sem camadas que seus personagens parecem caricaturas que em nada lembra a perspectiva social de Distrito 9. A ficção está em alta mais o excesso de filmes ruins pode decretar novamente que o gênero é “menor”, uma pena. Esperemos por Gravity com esperança.

  3. Achei decepcionante. Imaginei os produtores dizendo, “Olha, Blomkamp, temos uma boa grana, mas dá pra fazer um filme tipo-distrito-9?”. E o cara faz uma versão burocrática daquilo que acha que eram os méritos do filme anterior: a desumanização do protagonista, a exclusão social, a favela, a degradação do corpo como urgência da trama… sem falar do estilo documentário emulado. Mas tudo que era mérito ficou menor, clone sem alma. Fiquei irritado em certos momentos.

  4. Chico, se fomos assumir uma leitura do futuro, podemos interpretar que o diretor enxerga apenas ricos e pobres, certo? É uma possibilidade, afinal de contas. Ou você fica muito rico, ou você fica pobre… e cada vez mais perdendo seu poder de compra. Um ato isolado como a construção de um satélite onde só os ricos podem estar, poderia apressar isso ainda mais, não? Afinal de contas, se os poderosos estiverem no satélite, quem ligaria para a Terra? rs

    No mais, estou mega ansioso para ver o filme. Quero pegá-lo logo no fim de semana de estreia.

    E sua opiniao sobre o Wagner? Tem futuro em Hollywood?

    Abraços!

    1. Sandro, acho muito simplista a visão de futuro do filme. Sobre o Wagner, ele é bom, o inglês dele tá bem bom, mas acho que o futuro dele pode ser virar mais um latino em Hollywood.

      1. É, eu vi uma das entrevistas de lançamento do filme dele comentando justamente isso. Que é bacana filmar lá fora, que ele quer fazer mais coisas por lá, mas que gosta mesmo é de filmar por aqui, porque lá ele, Alice Braga e tantos outros serão sempre os “estrangeiros”

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