A PLÁSTICA E O PLÁSTICO
Diretor se repete e manda Amélie Poulain ao maravilhoso mundo da guerra
Pois bem, maior sucesso da carreira, né? Jeunet não resistiu a sua fórmula – fácil, digamos – e, em seu novo longa, Eterno Amor, volta a se apropriar dela para narrar um pequeno drama situado na Segunda Guerra Mundial. Apaixonado por suas versões coloridas do mundo, o diretor pinta a tela mais uma vez das cores mais improváveis para dar textura a sua fantasia. E de novo clipa a montagem. E mais uma vez insere um milhão e meio de efeitos visuais. E como se não bastasse faz Angelo Badalamenti criar sua trilha sonora mais popularesca. Tudo para idealizar a plástica, uma plástica que fala, que tem função, que serve para cristalizar a farsa.
O grande – imenso – problema é que esta é uma história bem mais palpável que a de Amélie Poulain e o tom parece muito artificial o tempo todo. Eterno Amor, do começo a o fim (e o fim demora para chegar), fica na encruzilhada entre o factual e o romanceado, a drama de guerra e a brincadeira visual. E o golpe final de Jeunet foi escalar Audrey Tautou como protagonista. Corrompida pelo material, a atriz reprisa a personagem que a tornou estrela com absoluto insucesso. Sua Mathilde não consegue se acomodar à história e a repetição dos tiques e trejeitos provoca um imenso incômodo em quem está assistindo.
ETERNO AMOR
Un Long Dimanche de Fiançailles, França/Estados Unidos, 2004.
Direção: Jean-Pierre Jeunet.
Roteiro: Jean-Pierre Jeunet e Guillaume Laurant, baseados no livro de Sébastien Japrisot.
Elenco: Audrey Tautou, Gaspard Ulliel, Jean-Pierre Becker, Dominique Bettenfeld, Clovis Cornillac, Marion Cotillard, Jean-Pierre Darroussin, Julie Depardieu, Jean-Claude Dreyfus, André Dussollier, Ticky Holgado, Tchéky Karyo, Jérôme Kircher, Denis Lavant, Chantal Neuwirth, Dominique Pinon, Jean-Paul Rouve, Michel Vuillermoz, Sandrine Rigault, Rufus, Albert Dupontel, Jodie Foster.
Fotografia: Bruno Delbonnel. Montagem: Hervé Schneid. Direção de Arte: Aline Bonetto. Música: Angelo Badalamenti. Figurinos: Catherine Boisgontier e Madeline Fontaine. Produção: Bill Gerber e David Puttnam. Site Oficial: wwws.warnerbros.fr/movies/unlongdimanche.
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QUEM BATE À MINHA PORTA?
O filme de estréia de Martin Scorsese tem todos os maneirismos de quem acabou de sair de uma escola de cinema. E mais: de quem esse filme foi trabalho de conclusão de curso. Haja zoom, take longo, plano-seqüência, câmera inusitada, montagem intensa. Há algum excesso nessa exibição de conhecimento. Tudo é muito universitário, digamos, mas tudo em seu devido lugar na versão comercial do filme, que já revela muito do que Scorsese viria a mostrar na sua carreira. E é deliciosa a enorme vontade de se explicitar a cinefilia do diretor, com um diálogo maravilhoso sobre Rastros de Ódio (John Ford, 1956) e uma explícita homenagem a um dos meus filmes favoritos, Onde Começa o Inferno (Howard Hawks, 1959), dois westerns, por sinal. E há Harvey Keitel dando uma dica do bom ator que é.