A PLÁSTICA E O PLÁSTICO

Diretor se repete e manda Amélie Poulain ao maravilhoso mundo da guerra

Houve um tempo em que eu ainda acreditava em Jean-Pierre Jeunet. Gostava da mistura de encantamento e bizarrices que ele propunha em seus primeiros filmes, mas, hoje, quase quinze anos depois de sua estréia no cinema, Jeunet se afirma como um criador de plástico. O maior mérito de seu filme anterior – e maior sucesso de sua carreira – O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, odiado com muita raiva por muita gente, era usar esse mundo de plástico para criar abstração. Quilos de filtros na câmera, cenários estilizados em último grau, música doce, suave e triste, e uma atriz com jeito de menina inocente encarnando uma mocinha máxima. Foi essa idealização completa que cativou a platéia.

Pois bem, maior sucesso da carreira, né? Jeunet não resistiu a sua fórmula – fácil, digamos – e, em seu novo longa, Eterno Amor, volta a se apropriar dela para narrar um pequeno drama situado na Segunda Guerra Mundial. Apaixonado por suas versões coloridas do mundo, o diretor pinta a tela mais uma vez das cores mais improváveis para dar textura a sua fantasia. E de novo clipa a montagem. E mais uma vez insere um milhão e meio de efeitos visuais. E como se não bastasse faz Angelo Badalamenti criar sua trilha sonora mais popularesca. Tudo para idealizar a plástica, uma plástica que fala, que tem função, que serve para cristalizar a farsa.

O grande – imenso – problema é que esta é uma história bem mais palpável que a de Amélie Poulain e o tom parece muito artificial o tempo todo. Eterno Amor, do começo a o fim (e o fim demora para chegar), fica na encruzilhada entre o factual e o romanceado, a drama de guerra e a brincadeira visual. E o golpe final de Jeunet foi escalar Audrey Tautou como protagonista. Corrompida pelo material, a atriz reprisa a personagem que a tornou estrela com absoluto insucesso. Sua Mathilde não consegue se acomodar à história e a repetição dos tiques e trejeitos provoca um imenso incômodo em quem está assistindo.

ETERNO AMOR
Un Long Dimanche de Fiançailles, França/Estados Unidos, 2004.
Direção: Jean-Pierre Jeunet.
Roteiro: Jean-Pierre Jeunet e Guillaume Laurant, baseados no livro de Sébastien Japrisot.
Elenco: Audrey Tautou, Gaspard Ulliel, Jean-Pierre Becker, Dominique Bettenfeld, Clovis Cornillac, Marion Cotillard, Jean-Pierre Darroussin, Julie Depardieu, Jean-Claude Dreyfus, André Dussollier, Ticky Holgado, Tchéky Karyo, Jérôme Kircher, Denis Lavant, Chantal Neuwirth, Dominique Pinon, Jean-Paul Rouve, Michel Vuillermoz, Sandrine Rigault, Rufus, Albert Dupontel, Jodie Foster.
Fotografia: Bruno Delbonnel. Montagem: Hervé Schneid. Direção de Arte: Aline Bonetto. Música: Angelo Badalamenti. Figurinos: Catherine Boisgontier e Madeline Fontaine. Produção: Bill Gerber e David Puttnam. Site Oficial: wwws.warnerbros.fr/movies/unlongdimanche.

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QUEM BATE À MINHA PORTA?
O filme de estréia de Martin Scorsese tem todos os maneirismos de quem acabou de sair de uma escola de cinema. E mais: de quem esse filme foi trabalho de conclusão de curso. Haja zoom, take longo, plano-seqüência, câmera inusitada, montagem intensa. Há algum excesso nessa exibição de conhecimento. Tudo é muito universitário, digamos, mas tudo em seu devido lugar na versão comercial do filme, que já revela muito do que Scorsese viria a mostrar na sua carreira. E é deliciosa a enorme vontade de se explicitar a cinefilia do diretor, com um diálogo maravilhoso sobre Rastros de Ódio (John Ford, 1956) e uma explícita homenagem a um dos meus filmes favoritos, Onde Começa o Inferno (Howard Hawks, 1959), dois westerns, por sinal. E há Harvey Keitel dando uma dica do bom ator que é.

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