Nos últimos anos, ganha cada vez mais espaço pelo mundo afora um tipo de jornalismo – em especial, televisivo – vingador, onde o jornalista (que nem sempre tem diploma) assume o papel de advogado de defesa da população, sobretudo em questões polêmicas envolvendo autoridades. Essas manifestações costumam ter bastante apelo popular já que o espectador se vê representado na figura do apresentador. É ele quem relata, quem delata, quem cobra e quem, eventualmente, aponta as soluções. Geralmente, obedece um padrão: fala alto, fala grosso, é bruto e tenta parecer sério para inspirar confiança. Um vingador para acalmar ânimos e provocar identificação.

O tiro tem alvo certo e nem requer tanta pontaria. Políticos, grandes empresários e pessoas poderosas já são vistos com algumas reservas. Recentemente, o estilo garantiu a mais recente metamorfose do cinema mais próximo do jornalismo, o documentário. Nesta área, a estrela é o talentoso Michael Moore. Em Tiros em Columbine (2002), Moore reúne dados, coleta depoimentos e repassa a história para dar sua interpretação sobre o episódio em que dois estudantes armados promoveram um massacre numa escola norte-americana.

Dois momentos do filme são emblemáticos: um deles é a entrevista com o ator Charlton Heston (presidente da Associação Americana do Rifle) e defensor do direito do cidadão comum andar armado, em que Heston não tem direito de responder as acusações feitas pelo cineasta. O segunda cena é quando Moore leva dois garotos, que ficaram aleijados no massacre de Columbine, até a sede do Wal-Mart e consegue que o local se comprometa a deixar de vender munição. É quando o cineasta assume o papel de justiceiro. É ele quem relata, quem delata, quem cobra e quem, eventualmente, aponta as soluções.

Moore ganhou o Oscar de melhor documentário por seu filme. Seu discurso, em plena Guerra do Iraque, se transformou no momento mais comentado da cerimônia ao mandar o presidente George W. Bush ter vergonha pela então recente invasão ao país islâmico. Os holofotes se tornaram ainda mais carinhosos com o documentarista. E, pouco mais de um ano depois, com um alvo ainda mais certeiro escolhido, o novo filme de Michael Moore ganhou o prêmio principal do mais importante festival de cinema do mundo: a Palma de Ouro em Cannes. Ego suficientemente inflado, Moore ainda viu seu filme ser renegado pela Disney, que deveria distribui-lo, o que garantiu muito mais propaganda do que estava previsto.

Mesmo antes de seu novo filme ser exibido em qualquer lugar do planeta, Michael Moore já declarava que Fahrenheit 11 de Setembro tinha um objetivo: destituir o presidente dos Estados Unidos, evitar sua reeleição. E como todo vingador que se preze, ele não mente (ou pelo menos não se deixa descobrir). Na cena em que o documentarista mostra a si mesmo, numa primária do Partido Democrata, acusando Bush de desertor da Guarda Nacional Norte-Americana, as intenções políticas de seu filme ficam (ainda mais) explícitas.

É inegável, principalmente para quem olha de fora dos Estados Unidos, que o longa-metragem traz momentos bem prazerosos, principalmente quando ridiculariza George W. Bush, persona non grata para a maioria das pessoas de bom senso. O problema é que Michael Moore, muito bem munido de documentos e informações reveladoras, faça festa com o que tem nas mãos. O tom de escárnio e a postura de senhor da verdade descredenciam o filme, que é parcial, partidário e completamente especulativo. Moore consegue até dar um mostra de xenofobia ao questionar o jantar do presidente com o embaixador da Arábia Saudita porque ele era… saudita.

Como em sua obra anterior, nosso herói resolve assumir sua porção justiceira e vai à porta do Congresso dos Estados Unidos pedir que os parlamentares se alistem para o combate no Golfo. Acompanha o ensaiado recrutamento de civis para a guerra. Expõe e explora a mãe que teve o filho morto no Iraque. Tudo em nome do alto senso de justiça que guarda em seu rechonchudo peito. Em todas suas inserções, obedece a um padrão: fala alto (a menos que a polícia possa prendê-lo), é bruto e tenta parecer sério para inspirar confiança.

Seria o cinema de Michael Moore uma nova forma de documentário ou apenas duas horas de propaganda eleitoral paga pelos contribuintes e até pelos desavisados “terceiro-mundistas” que nem podem votar ou não em George W. Bush? O cinema de Michael Moore parece bem esquálido se for analisado com o mínimo de imparcialidade. Suas intenções podem se revelar bem mais mesquinhas e maniqueístas que seu mal editado (enorme demérito em relação ao bem acabado filme anterior) trabalho possa transparecer embaixo das muitas camadas de maquiagem de engajamento político e social que o diretor se preocupou em desenvolver. Aliás, o que Michael Moore faz é realmente um documentário ou apenas guarda um tom documental? Aliás, o que o mestre da autopromoção faz é cinema? Jornalismo eu sei que não é. Aliás, esse caráter vingador…

Fahrenheit 11 de Setembro é comumente aplaudido ao final da projeção por platéias entusiasmadas. Muito justificável já que ele desperta o lado universitário dos espectadores. Mal necessário? Perdão, mas mal necessário é Sartre, é Bergman.

Fahrenheit 11 de Setembro

Fahrenheit 9/11, Estados Unidos, 2004.

Direção e Roteiro: Michael Moore.

Fotografia: Mike Desjarlais, com imagens adicionais de Kirsten Johnson e William Rexer. Montagem: Kurt Engfehr, T. Woody Richman e Chris Seward.. Direção de Arte: Dina Varano. Música: Jeff Gibbs e Bob Golden. Produção: Jim Czarnecki, Kathleen Glynn e Michael Moore.

nas picapes: Rainy Days and Mondays, Carpenters.

Comentários

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2 comentários sobre “Fahrenheit 11 de Setembro”

  1. Eu simplesmente acho esse cara incrível. Pra mim ele é a pessoa mais inteligente do mundo, ele consegue mostrar ao público a realidade de um modo diferente. Michael Moore é meu ídolo, eu sou um fã dele.

    Meus parabéns Michael !

  2. Esse filme foi show de bola, mas sabemos q Bush é muito pior… Em breve nos veremos sua verdadeira face. Parabénsssssssssssss

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