O homem e a natureza. O homem e sua natureza. Kelly Reichardt volta ao século XIX em busca de um homem natural, ainda contaminado pela brutalidade de sua porção selvagem, mas tentando encontrar espaço para suas sensibilidades. Como viver sua delicadeza quando a regra é sobre-viver?, parece perguntar a cineasta, que costuma virar pelo avesso os clichês das temáticas, formatos e cenários que escolhe para seus filmes. O cenário, por sinal, aqui é tão incomum que termina por reprisar este intervalo entre os universos que cercam o protagonista. As florestas do Oregon estão longe tanto da civilização dos grandes centros quanto das grandes paisagens norte-americanas dos westerns situados neste período. Como o personagem principal, elas vivem entre a invasão do homem e sua natureza primitiva. Cercam Cookie Figowitz como se fossem uma extensão de sua vida, tanto um refúgio, onde ele alcança um tipo de liberdade muito pura, quanto um cárcere, que o limita e de onde ele não consegue escapar.

Reichardt, que adaptou a novela de Jonathan Raymond, que escreveu o roteiro de vários de seus filmes, tem pouquíssimo interesse no mundo masculino-violento que imperava na época (e na ficção produzida sobre época), mas no conflito entre o homem que elege como protagonista e esse mundo onde ele não se encaixa, em como ele parece encontrar sua própria realidade paralela inclusiva. John Magaro encontra a ternura desse homem numa interpretação tão inteligente e silenciosa que as cenas mais banais ganham outro impacto somente por causa de seu olhar, como aquelas em que ele se encontra com uma personagem importante do filme:

– Sinto muito pelo seu marido. Ouvi dizer que ele não conseguiu sobreviver.

As cenas iniciais de “First Cow”, em que a belíssima fotografia saturada de Christopher Blauvelt encontra sua maior potência, são o momento máximo de comunhão do protagonista com a floresta. É lá onde ele abastece seu motor, colhe sua comida e encontra um amigo, um parceiro, um amor, talvez. A maneira como King-Lu é introduzido no filme remete à relação que Apichatpong Weerasethakul tem com a natureza, é quase espiritual, muito orgânica, como se não fossem necessárias divisões entre o real e o mágico. É como se ele fosse uma parte da paisagem, um fruto que a floresta concede a Cookie para que sua vida tenha a chance de se transformar.

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