Existe uma diferença fundamental entre o décimo oitavo longa-metragem de François Ozon e as duas obras que o inspiraram. Se na peça de Maurice Rostand e em sua primeira adaptação para o cinema, Não Matarás, filme de Ernst Lubitsch, o espectador já conhece, de partida, a identidade do protagonista, em Frantz, Ozon propõe o oposto: um jogo de idas e vindas, no tempo e no conceito de verdade, para que a presença do jovem Adrien Rivoire na pequena cidade alemã onde o longa começa se justifique. Para o cineasta, mais importante do que as motivações do personagem principal é a parceria com o público. Ao transformar em mistério as intenções e o passado do protagonista, Ozon prova que continua bastante fiel a seu cinema do artifício.

FrantzAo longo de duas décadas de trabalho, o diretor colecionou fãs e desafetos sempre deixando clara sua predileção pelo truque. Das armadilhas de roteiro de Swimming Pool aos excessos dramáticos e plásticos de Angel, todos seus filmes trazem, cada uma a sua maneira, a consciência de serem obras de ficção. Quando utiliza uma lógica parecida em Frantz, se apropriando de um modelo já estabelecido por Rostand e Lubistch, que realizaram obras de cunho mais realista, Ozon parece preferir a mágica à mensagem, algo bem coerente com o que tem feito até agora. Mesmo assim, os truques nem sempre funcionam, principalmente quando ele começa a desmentir os próprios flashbacks que criou, como se traísse a pureza que vinha desenhando até então.

Pureza que o preto-e-branco utilizado como moldura ajuda a preservar, ainda mais numa história passada pós Primeira Guerra Mundial, mas que também parece perder a força com as intervenções em cor, que com o desenrolar da história, perdem o sentido. Essas variações dentro do conceito criado pelo cineasta não abalam a fé em Rivoire, vivido com delicadeza por Pierre Niney, nem em sua aproximação da igualmente delicada Anna, papel de Paula Beer. Ozon consegue materializar o luto dos personagens e ainda dar forma ao sentimento que nasce entre eles, que surge como uma estranha forma de homenagem à memória de Frantz, o noivo morto de Anna e se estende até aos pais dele.

Enquanto Lubitsch aposta, desde o começo de seu filme, na identificação do espectador com a angústia do personagem principal, dividindo com ele um segredo, Ozon decide primeiro seduzir este espectador com um enigma. Ao convidar quem assiste a desvendar o mistério sobre a identidade do protagonista, o diretor prepara o terreno para que, quando a revelação acontecer, este espectador já esteja tão apaixonado por Rivoire quanto os outros personagens do filme. Ao contrário de Lubitsch, Frantz não termina com o fim do mistério, pelo contrário. Ozon aposta num epílogo longo que oferece outros cenários e outras revelações, que embora baguncem um pouco o timing do filme, reforçam o romantismo pretendido pelo cineasta.

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[Frantz, François Ozon, 2016]

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