PRESO NO PRÓPRIO LABIRINTO E DEVORADO PELO MINOTAURO

Documentário sobre Glauber Rocha não é apenas didático, é velho, retrógrado e parece ter sido lançado há trinta anos

A quantidade de documentários feitos no Brasil todos os anos é admirável. A profícua produção gerou uma busca natural por novas formas de construção dos filmes, o que é extremamente louvável. Do cinema demasiado humano de Eduardo Coutinho ao trabalho de investigação de Onde a Terra Acaba e Ônibus 174, a linguagem do documentário brasileiro ganhou diversidade e ficou mais contemporânea, incorporando táticas seja do jornalismo televisivo, seja do vídeo, mais livre de prisões formais. Assistir a Glauber, o filme – Labirinto do Brasil, então, é decepcionante. Os motivos são vários. Muito se falou sobre o quão didático é o filme que retrata um artista tão renovador. Mas o pecado mais mortal do longa de Sílvio Tendler é outro: ele é velho, muito velho. Parece um daqueles documentários que eram exibidos para os alunos do primário no início dos anos 80. E o motivo não passa nem perto da idade de muitas das imagens, bem antigas. Mas da tática que o cineasta adotou para conduzir seu filme.

Para Tendler, Glauber Rocha, mais que o maior cineasta do Brasil, era um artista inquestionável, um ser humano incomparável, muito além de qualquer colega de profissão ou de qualquer pessoa que com quem ele esbarrou na vida. Um ser tão genial que sua obra permanece enigmática para a maior parte dos espectadores. As legendas dos primeiros quinze minutos do filme são deprimentes. De uma reverência só. As frases comprometem a idoneidade do filme, demérito menor já que o longa nunca teve a intenção de ser idôneo. Demonstram ainda uma visão ingênua do documentarista, que já deveria ter idade para uma avaliação mais madura de uma figura histórica de tal porte. Tendler se propõe a traçar um perfil limpo de Glauber: o de pensador de vanguarda. E constrói seu filme nesse propósito, sem nunca questionar o mito. Até a tentativa de aproximação entre o cineasta e o Regime Militar é vendida como uma opinião pessoal do diretor, o que é reforçado pelas entrevistas. Muitas delas, por sinal, não se justificam nunca.

Glauber, o filme é sobre um cara que fumava maconha e andava pelado e que todos achavam muito divertido porque ninguém era igual a ele. As entrevistas dos amigos de Glauber não contribuem para que se mostre sua relevância enquanto criador, mas para ressaltar sua estranheza perante o brasileiro comum. Mas o crédito para Tendler existe. Está numa quantidade bem farta de material filmado. O problema é que o documentarista nunca sabe o que fazer com o que tem. Desperdiça a maior parte beijando os pés do homem morto. Um iniciante na obra de Glauber Rocha vai achar que ele era um cara muito louco e só. Tendler se conforma com o fato de que o cinema do seu personagem era para poucos e não faz muito para questionar isso. Glauber parece um filme dirigido por uma comadre da figura retratada, tipo “veja só como era o meu amigo Glauber”. Além do aspecto ideológico, o longa tem sérios problemas técnicos: é mal editado – não há uma conclusão razoável do filme – e a materialização do labirinto do cineasta é tão tosca que seu objetivo metafórico (que desde cedo é despropositado) ganha segundo plano.

GLAUBER, O FILME – LABIRINTO DO BRASIL
Glauber, o filme – Labirinto do Brasil, Brasil, 2004.

Direção, Roteiro e Montagem: Silvio Tendler.

Fotografia: Fernando Duarte e Walter Carvalho. Música: Eduardo Camenietzki. Produção e Pesquisa: Arthur Angeli, Carolina Paiva, Silvio Arnaut, Terêncio Pereira Porto e Fernanda Guimarães.

nas picapes: Hotel Yorba, The White Stripes.

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