LISBELA E O PRISIONEIRO

Já faz um tempo que o nordestino finalmente ganhou espaço na TV. Ele é um ser geralmente divertido, com sotaque engraçado e que se equilibra entre a esperteza e inocência. Às vezes ganha interpretações encantadoras, às vezes abraça a caricatura, mas de uma maneira geral não passa de um rascunho da realidade. O modelo do nordestino idealizado pela TV chegou ao cinema com mais força na década de 90 e se cristaliza em Lisbela e o Prisioneiro, primeiro material que Guel Arraes dirige exclusivamente para a tela grande. Arraes, que ao lado de Jorge Furtado criou uma linguagem própria dentro da televisão brasileira, é um homem de grande capacidade para envolver o espectador. Seus truques narrativos, sua direção de elenco costumam criar histórias envolventes e personagens deliciosos. O pernambucano, radicado há muito tempo na capital da TV no Brasil, o Rio de Janeiro, no entanto, parece ter deixado para trás suas raízes nordestinas. Aqui tudo o que aparece na tela é o que já se viu antes em novelas, minisséries e especiais de TV.

Qual o problema de tudo isso? A princípio, nenhum. Se Guel Arraes tivesse mantido a originalidade do seu modo de contar uma história, aparentemente nada incomodaria. Mas a solução que o diretor (e seus dois co-roteiristas, o parceiro Furtado e o ator Pedro Cardoso) encontrou, de intercalar a história com uma homenagem ao cinema fica perdida e excessiva dentro do longa-metragem. E isso deixa os estereótipos pulando na tela e gritando: “eu sou um estereótipo!” O comentário pode parecer bairrista, mas não é. Lisbela e o Prisioneiro, apesar de tudo, é um bom filme. Começa tropeçando na falta de idéias originais, mas depois conquista pela simplicidade e pela delicadeza com que Guel Arraes conduz sua história.

Selton Mello e Débora Falabella (esta, mesmo com aquele sotaque horroroso de novela da Globo) estão completamente à vontade nos papéis. Os coadjuvantes estão corretos. Marco Nanini reprisa bem, mas sem necessidade o papel de matador, Tadeu Mello parece que só sabe fazer o mesmo personagem (o mais caricato e mais executável do filme) e Bruno Garcia emplaca um sotaque carioquês engraçadinho. A surpresa é Virgínia Cavendish, que consegue equilibrar sua interpretação num misto perfeito de melodrama e comédia. Lisbela e o Prisioneiro não é tão engraçado quanto poderia, não é tão encantador quanto deveria, não é tão original quanto se gostaria. O filme reproduz modelos, mas consegue sair ileso por causa do visível empenho de todos em fazer um filme bonitinho. Num tempo em que muito filme brasileiro surge querendo ser obra-prima, querer ser bonitinho é bem simpático. Simpático como Lisbela e como Leléu.

Lisbela e o Prisioneiro
Lisbela e o Prisioneiro, Brasil, 2003
Direção: Guel Arraes.
Elenco: Débora Falabella, Selton Mello, Virginia Cavendish, Marco Nanini, Andre Mattos, Bruno Garcia, Tadeu Mello, Lívia Falcão, Paula Lavigne, Aramis Trindade, Heloísa Perissé.
Roteiro: Guel Arraes, Jorge Furtado e Pedro Cardoso, baseados na peça de Osman Lins. Produção: Paula Lavigne. Fotografia: Uli Burtin. Edição: Paulo Henrique Farias. Direção de Arte: Cláudio Amaral Peixoto. Música: João Falcão e André Moraes. Figurinos: Emília Duncan. Canções: Caetano Veloso, Zé Ramalho & Sepultura, Zéu Brito.

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