Meus textos não costumam ser na primeira pessoa, mas às vezes acho que é preciso se envolver. Os filmes de Alexander Payne geralmente me tocam profundamente. As Confissões de Schmidt e Os Descendentes, que costumam dividir opiniões, exercem em mim efeitos fulminantes, talvez por que sua melancolia me parece sincera; talvez porque sejam filmes que invariavelmente colocam a família em algum ponto da trama. Nebraska, embora seja radicalmente diferente desses dois filmes, teve um impacto parecido.
Há cerca de cinco meses, eu perdi meu pai. Seu Chico nos deixou no exato dia de seu aniversário. Era um jovem de 62 anos. Eu, por algum destes mistérios que ninguém explica, o único filho que morava longe dele, tive a chance de ter minha última conversa com meu pai na noite anterior, quando cheguei de viagem justamente para a festa do dia seguinte. Foi um pequeno alento para uma partida tão repentina. Meu pai ainda não tinha sinais de velhice, como o personagem de Bruce Dern em Nebraska, mas o fato do filme ser uma espécie de despedida de pai e filho me abalou um bocado.
O roteiro de Bob Nelson parte de um pressuposto simples: um homem que está perdendo a memória acredita cegamente que ganhou um prêmio de U$ 1 milhão, como promete uma correspondência que recebeu. Depois que ele tenta fugir de casa várias vezes em busca do prêmio, seu filho mais novo resolve realizar seu desejo e o leva numa viagem cujo destino é a cidade de Lincoln, estado de Nebraska, onde o valor deveria ser retirado. Como se pode imaginar, o trajeto desta viagem é uma espécie de reencontro entre pai e filho, onde o jovem tenta devolver ao pai sua dignidade num “acerto de contas” invisível.
Embora o tema instrumental indique o caminho da melancolia com que o cineasta trabalha habitualmente, este novo filme não se rende ao sentimentalismo. Pelo contrário, Nebraska é um filme seco, repleto de humor negro, que não facilita as coisas para o espectador. Bruce Dern não interpreta um velhinho adorável. Seu Woody é um homem que conquistou a antipatia até da mulher com seu comportamento irresponsável e sua ausência. June Squibb – essa, sim, uma velhinha adorável, pelo menos na aparência – tem diálogos duros, incômodos, que traduzem os anos de frustração que viveu. Ambos estão ótimos e surpreendentes.
A viagem de reconhecimento se transforma numa viagem de desilusão quando Woody e o filho resolvem parar na cidade natal do pai, um lugar que o tempo esqueceu, um retrato de uma white trash America decadente, onde a notícia da “fortuna” de Woody se espalha e desperta a cobiça de familiares e vizinhos. No meio disso tudo, o filme concentra sua doçura num personagem. Davey é o filho que quer fazer as vontades do pai como uma última homenagem, uma chance de reatar o elo desgastado pelo alcoolismo e pela ausência paternas. Will Forte pode não ser um grande ator, mas está comovente em cada cena do filme. Traduz muito o senso de proteção e de agradecimento do personagem com muito pouco.
Quanto a mim, não há grandes semelhanças entre a história de Woody e Davey e a história de Chico e Chico. Meu pai nunca perdeu a memória, eu não sou o filho caçula, mas este filme me fez sentir falta de uma despedida mais adequada, seja no formato de um acerto de contas, seja numa conversa franca entre pai e filho. Fiquei com inveja do Davey por ter tido essa chance e agradeço muito ao Alexander Payne por ter feito este filme tão bonito.
Nebraska
[Nebraska, Alexander Payne, 2013]
Chico, tenho lido seu blog há um tempinho. Meus sentimentos pela perda de seu pai. Que seu pensamento iluminado te leve a atingir suas conquistas pessoais, podemos ver claramente que você é, além de lúcido, sensível, inteligente e ótimo crítico.
Do seu lindo texto, fui pro filme…do filme, volto pra te agradecer…belíssimo. Todos somos um pouco filhos do Woody, do Seu Chico, e do meu Vicente. Sinto pela sua perda…abraço
Chico,
acesso seu blog todo santo dia e acho que por isso as vezes acabo me sentindo como se você fosse um grande amigo. Mesmo não sendo, meus sentimentos pela perda do seu pai. Que sorte a nossa ter pessoas como Alexander Payne para nos ajudar a nos sentir melhor em momentos como esse, ou pelo menos nos fazer sentir.
Mais uma vez parabéns pelo seu trabalho, com certeza motivo de orgulho do Seu Chico!
Obrigado, Nathalia. Seja muito muito bem-vinda sempre!