O Lobo de Wall Street

O debate que se formou em torno de O Lobo de Wall Street parece não ir diretamente ao principal senão do filme. Pouco interessa se Martin Scorsese compra o discurso de Jordan Belfort e vende seu protagonista como um anti-herói americano, defendendo o comportamento amoral do homem vivido por Leonardo Di Caprio. O cineasta já fez isso muitas vezes, sobretudo em alguns de clássicos filmes de máfia, e esse desconto que o diretor dá aos personagens nunca foi um problema de verdade. A amoralidade tanto em suas obras mais antigas quanto neste novo longa parece simplesmente ser um reflexo natural da maneira como os protagonistas lidam com o mundo. E geralmente é um caminho mais frutífero. Procurar entender e traduzir um homem como Belfort parece bem saudável para um cineasta de 72 anos.

A questão maior em torno de O Lobo de Wall Street não estaria, então, no fim, nas intenções, mas no meio, na forma encontrada por Scorsese para retratar esse universo tão particular que é o do mercado financeiro americano. Para dar conta desse mundo fechado, de ritmo alucinante, o cineasta fez um filme de excessos. Excessos visuais, excessos verbais, excessos morais. Estes últimos, os únicos que parecem ter incomodado os espectadores de uma maneira geral, mas os menos relevantes. A lábia verborrágica do protagonista – um Di Caprio, inspirado, completamente disposto a alcançar a velocidade do filme – contamina todo o resto e, não poucas vezes, Scorsese, na busca por retratar a histeria, faz um filme que beira o histriônico. É uma saída bem entendível para uma obra com essa temática, mas não seria uma solução mais fácil?

Em sua primeira chance de invadir essa área, Scorsese escolheu exatamente a representação mais comum, mais tradicional, dos profissionais do mercado financeiro. E essa representação passa diretamente por manter o filme um, dois, três, muitos tons acima. Não existe uma cena sequer no longa em que algo extremamente excitante ou alucinante – aliás, alucinógena – esteja acontecendo, como se aqueles personagens só pudessem existir e operar num estado constante de delírio, de perda de sentidos. Existe até uma lógica nessa orientação que permite tratar os personagens com uma certa permissividade, sem defendê-los ou condená-los. Mas o preço a pagar é transformar o filme numa montanha-russa que à primeira vista pode parecer desgovernada, mas que segue um roteiro bem definido.

Nem se trata de dizer que o diretor recorreu a lugares comuns ou ofereceu um retrato unilateral daqueles personagens, mas, na tentativa de decifrar esse universo, Scorsese arriscou suas fichas num estado de espírito desregrado, quase abusivo, que exige parceria de quem está do outro lado da tela. Durante três horas, o espectador precisa galopar junto para alcançar O Lobo de Wall Street, como fizeram Di Caprio, Jonah Hill, a beldade (e boa atriz) Margot Robbie e a montadora Thelma Schoonmaker, em sua enésima colaboração com o diretor. Estamos todos diante de uma ópera-rock amoral em que Martin Scorsese revela estar mais veloz e mais furioso do que nunca. Uma corrida em que só tem espaço quem estiver disposto a pisar fundo no acelerador, sem medo das conseqüências.

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[The Wolf of Wall Street, Martin Scorsese, 2013]

Comentários

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11 comentários sobre “O Lobo de Wall Street”

  1. Há duas falhas na visão de alguns críticos em relação ao filme: 1) Scorsese fez uma comédia. Em vez de fazer o que quase todos fazem, que é mostrar a dramática ascensão e queda de um homem amoral, ele faz uma comédia cujos são para que se perceba a esfera de ridículo vivida por aqueles personagens;
    2) o filme não perde o pique da ironia e da sátira no terço final: é o restaurante onde o banqueiro suíço é preso; é o tédio da vida sóbria na conversa entre Di caprio e Hill; é a prisão feita durante um comercial gravado por Di Caprio; é a falta de criatividade das “ovelhas” neozelandesas que não conseguem vender a caneta para o “lobo” de Wall Street.

    Em meio aos excessos, Scorsese deixa claro que seus personagens são sociopatas. Não os julga por serem assim, mas deixa ao espectador a tarefa de identificar a progressão da amoralidade dos personagens.

  2. em geral gosto muito dos seus comentários e apesar de você ter feito uma análise balanceada, desta vez não posso concordar. Já conheci pessoas sem moral no trabalho (e por extensão na vida) e posso dizer desta minha experiência desagradável, elas tem que criar um mundo histriônico mesmo, para se autoconvencerem que aquilo é assim mesmo e justificarem sua forma de ser. Então os personagens não são exagerados, são o que são. Por isto mesmo, a dinâmica é a 1000 por hora, mas feito por um grande, absolutamente grande cineasta. O 1000 por hora dele é realmente estupendo. Vejo filmes de ação que sua linguagem, por definição, é a histrionia e eles não convencem. Scorcese faz isto muito bem. Por último o filme é uma grande diversão, daqueles que você vê comendo pipoca numa boa. Além disso, não vejo o que a mídia coloca a torto e a direito sobre o filme. O diretor não toma partido nenhum. Simplesmente conta a história como ela o é.

  3. O Lobo de Wall Street é uma obra prima contemporânea muito melhor que Trapaça que na minha opinião é o pior de todos os indicados dormi duas vezes assistindo ele!!!!

  4. Chico assisti o filme ontem e o achei fantástico até o 2/3 quando reina a histeria, ela condiz com a narrativa e o estilo de vida do protagonista. O problema é que tem muita coisa desnecessária na última parte e a previsivel queda do anti herói é igual a outras tantas. Sai a histeria e entra a realidade, seria Belfort enxergando o mundo real certo? mas depois de 2 horas de vertigem por que não um final “chutando o balde” e mantendo o tom lá em cima? parece que o filme vai minguando já que quem compra a “vibe” acaba saindo do cinema com cara de anti clímax. Se você pode ser irônico e sarcástico na ascensão por que não na queda?

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