Eu assisti a Os Infiltrados, ao lado da minha amiga Cyntia, que hoje divide apartamento comigo, no meio do Festival do Rio, no ano passado. Saí do do cine Palácio, talvez a melhor sala do Rio de Janeiro, muito feliz com um filme maravilhoso que tinha visto. Tinha adorado o roteiro, que soube absorver, mesmo sem tanta preocupação com verossimilhança, o espírito de Conflitos Internos, longa oriental de onde Martin Scorsese adaptou seu filme. A lógica de um obra de ação oriental estava em Hollywood, assinada, corroborada, por um grande mestre.

Gostei mais ainda da montagem, que segue justamente os parâmetros dos filmes orientais e das interpretações de Leonardo Di Caprio, que ainda é injustamente visto com um galã de blockbuster, apesar de ser um grande ator, e de Jack Nicholson, muito desgastado em suas eternas repetições, que estava nada menos do que brilhante. Foi um filme de que eu gostei muito. Não era o melhor filme do ano nem nada, não era o filme que iria dar o Oscar a Martin Scorsese nem nada, mas foi um filme de que eu gostei.

Festival, você sabe, é um filme atrás do outro. Na porta da sala onde eu e minha amiga assistiríamos nossa outra sessão, um amigo dela rebate nossa empolgação com críticas à montagem, ao roteiro e até à interpretação de Di Caprio no filme, comparando o cinema que Scorsese faz hoje em dia a um lanche do McDonald’s. Com o tempo, percebi que essa era a visão de boa parte da crítica brasileira, que via Scorsese como um diretor que passou e que xingava Thelma Schoonmaker de velha. Nesta época, eu nunca esperaria que Os Infiltrados fossem concorrer a melhor filme. Mas eu estava enganado.

Vieram as campanhas, o filme se tornou um lock entre os indicados e, nominados anunciados, começou o buzz em torno de uma eventual vitória do filme. Como? Um filme policial, adaptado de um longa oriental, dirigido por Martin Scorsese, o eterno perdedor do Oscar, ganhar melhor filme? Inimaginável. Apostaram na metástase do ridículo vencedor do ano passado (Crash, de Paul Haggis), o apático e retardado Babel, de Alejandro Gonzalez Iñarritu, no esquemático e raso Pequena Miss Sunshine, da dupla que fazia os clipes dos Smashing Pumpkins, e deram como possível a vitória de Cartas de Iwo Jima, belo drama de guerra de Clint Eastwood, falado em japonês. A corrida ao Oscar deste ano, ao mesmo tempo que foi animada, foi de uma esquizofrenia só. Cada um apontava para um lado.

A festa do Oscar começou bem. Ellen De Generes, sutil e no ponto, comandou a festa com um timing perfeito, irônica sem ser agressiva e inteligente sem ser excessiva. Sua presença lá foi uma resposta da direção da Academia à derrota vergonhosa de O Segredo de Brokeback Mountain na categoria principal no ano passado. A festa terminou tendo sua cota de celebração gay, com Ellen, com Melissa Etheridge agradecendo à esposa e derrotando as três canções fracas e esganiçadas de Dreamgirls e até com a apresentação da homenagem aos mortos por Jodie Foster, linda como nunca.

O fato de ter sido limado da lista de candidatos a melhor filme enfraqueceu bastante Dreamgirls, que ganhou os esperados prêmios de mixagem de som e de atriz coadjuvante para Jeenifer Hudson, primeira grande pista de que Pequena Miss Sunshine não seria o melhor filme da noite. Como muita gente previa, o número reduzido de votantes na categoria de filme em língua estrangeira tirou o prêmio de O Labirinto do Fauno, em prol de A Vida dos Outros. No entanto, o filme de Guillermo del Toro papou as estatuetas pela direção de arte e pela maquiagem, esperadas, e ainda surpreendeu derrubando Filhos da Esperança e ganhando fotografia.

 

Piratas do Caribe: o Baú da Morte ganhou um merecido prêmio de efeitos visuais e Cartas de Iwo Jima levou o de edição de som por dois motivos: merecimento e consolação. A certa altura, já estava na cara que o filme de Clint estava fora da disputa. Por isso, foi lindo o momento em que ele subiu ao palco para homenagear o maior músico da história do cinema, Ennio Morricone, o melhor Oscar pelo conjunto da obra dos últimos anos. Outra cena inesquecível foi ver Milena Canonero, uma das grandes figurinistas de todos os tempos, ganhar seu Oscar por um maltratado Maria Antonieta.

Al Gore dá de dez a zero em George W. Bush, mas mereceu atenção e espaço demais, não? Uma Verdade Incoveniente, o blockbuster da lista, faturou documentário, como era de se esperar. A surpresa veio por minha previsão errada mais comemorada da noite, a vitória do ótimo Happy Feet, o Pingüim sobre o fraquinho Carros, provando que ganhar o Annie não é mais garantia alguma na corrida para o Oscar.

Mas a noite estava esquentando ainda. Os resultados ainda embolavam os três principais candidatos a melhor filme. Alan Arkin, num momento “conjunto da obra” do Oscar, derrotou o favorito – por pouco – Eddie Murphy, me assustando sobre as possibilidades de uma eventual vitória de Pequena Miss Sunshine como melhor filme, inclusive, depois de ele ter ganho o prêmio de roteiro original. A este ponto, eu achava que Babel estava morto e enterrado, mas aí acontece o prêmio mais esdrúxulo da noite, a vitória de Gustavo Santaolalla em melhor trilha sonora.

William Monahan tinha ganho melhor roteiro adaptado, vitória mais do que certa. Restava ver porque estavam segurando o prêmio de melhor montagem. Suspeitava que era para não dar a dica de que Martin Scorsese tinha ganho melhor direção já que o prêmio foi para Thelma Schoonmaker por Os Infiltrados. Quando o nome dela foi anunciado, a vitória de Marty, emocionado com as belas palavras da amiga para ele, era certa. Mas isso seria o suficiente para um melhor filme? Eu queria muito que sim, mas ainda tinha dúvidas.

Neste meio tempo, Helen Mirren ganharia seu merecido e esperado prêmio de melhor atriz por A Rainha e Forest Whitaker faria o melhor, mais sóbrio e sério, discurso da noite por sua vitória em O Último Rei da Escócia. E, então, conforme meu amigo Diego Maia tinha me falado pelo MSN, entram no palco um trio invejável para apresentar o Oscar de melhor diretor: George Lucas, Francis Ford Coppola e Steven Spileberg. A geração dourada do cinema norte-americano da virada dos 60 para os 70 estava lá e só faltava um de seus principais representantes: Martin Scorsese, que, depois de tantas indicações, se juntou a eles para receber seu prêmio.

Agora éramos nós: de um lado, eu, torcendo imensamente para Os Infiltrados, que não é o melhor filme de Scorsese, mas é um filme que eu adoro, e a dupla Jack Nicholson e Diane Keaton, envelope na mão. Quando vi que era Jack que entregaria o prêmio de melhor filme, tremi nas bases porque fora ele, com cara de ponto de interrogação, que, no ano anterior, anunciou que o raquítico Crash tinha ganho melhor filme no maior exemplo de estupidez da Academia em anos.

Quem ganharia? Babel, que tinha ganho um inesperado prêmio de trilha sonora? Pequena Miss Sunshine, que levou roteiro original e ator coadjuvante? Ou Os Infiltrados, que ganhou direção, roteiro adaptado e montagem, geralmente os prêmios que mais pesam para uma vitória na categoria principal? Pois bem, a corrida pelo Oscar terminou como começou. Confusa, sem um filme de maior destaque, podendo abraçar qualquer resultado. E, entre as opções, a Academia, geralmente ávida por cometer equívocos, fez a melhor escolha. Preciso contar pra Cyntia.

Boa noite e até o ano que vem.

prêmios (entre parêntese em que posição o vencedor estava entre as minhas apostas)

filme: Os Infiltrados (1º)
direção: Martin Scorsese, por Os Infiltrados (1º)
ator: Forest Whitaker, por O Último Rei da Escócia (1º)
atriz: Helen Mirren, por A Rainha (1º)
ator coadjuvante: Alan Arkin, por Pequena Miss Sunshine (2º)
atriz coadjuvante: Jennifer Hudson, por Dreamgirls (1º)
roteiro original: Pequena Miss Sunshine (1º)
roteiro adaptado: Os Infiltrados (1º)
filme estrangeiro: A Vida dos Outros (2º)
documentário: Uma Verdade Incoveniente (1º)
animação: Happy Feet, o Pingüim (2º)
fotografia: O Labirinto do Fauno (3º)
montagem: Os Infiltrados (1º)
direção de arte: O Labirinto do Fauno (1º)
figurinos: Maria Antonieta (2º)
maquiagem: O Labirinto do Fauno (1º)
trilha sonora: Babel (4º)
canção: “I Need to Wake Up”, de Uma Verdade Incoveniente (2º)
mixagem de som: Dreamgirls (1º)
edição de som: Cartas de Iwo Jima (1º)
efeitos visuais: Piratas do Caribe: o Baú dos Mortos (2º)

Comentários

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25 comentários sobre “Oscar 2007: o ano do conjunto da obra?”

  1. A trilha de Babel me lembrou a trilha de “De olhos bem fechados”, arranjada como a de Brokeback Mountain. Acho que era o ar minimalista. Ou eu estou doido?

  2. E o pior é que eu gosto muito do Babel, mas me irrita essa idéia de que ousado é o filme com narrativa não-linear e cheio de histórias que se cruzam …
    A derrota de Filhos da Esperança em fotografia foi mesmo uma pena. Aliás, o filme merecia ter sido lembrado em outras categorias, inclusive nas principais. Acho que até o Clive Owen merecia uma lembrança …

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