Love and pain (and the whole damn thing)

Eu fui ao cinema esperando um outro filme, mas Woody Allen me enganou. Ponto Final discute temas bastante caros ao diretor, como culpa, crime e castigo, mas, pela primeira vez (pelo menos que eu lembre), Woody, que é um dos cineastas com marcas mais evidentes em sua obra, renega esses artifícios que se transformam em pontos de identificação com o espectador. No novo filme, não há grande espaço para o humor, para a piada. Elas aparecem em cenas específicas – e são muito poucas – e nunca servem de amarração para as histórias. É Woody Allen em reinvenção, eu diria.

Nem em Crimes e Pecados (1989), com o qual este filme é constantemente comparado – um filme sério, digamos – o diretor abdica da piada e de se fazer representado na história que conta através de uma personagem neurótica (que às vezes cabe a ele interpretar, mas que em outros filmes ganha faces diferentes). Não há neurose em Ponto Final. Pelo menos aquela que reconhecemos como a neurose de Woody Allen. Por sinal, a comparação entre os dois filmes é fácil por causa de semelhanças na trama, mas é injusta. São obras completamente diferentes.

Para começar, o novo filme é uma história de amor, amor romântico. E nesse contexto, Allen é muito sutil quando começa a decifrar suas personagens. Jonathan Rhys-Meyers poderia tranqüilamente ganhar ares de vilão – inclusive seria natural no contexto em que ele é apresentado – mas, ao usar o conceito de sorte como fio condutor da trama, Woody consegue desenhar uma personalidade muito mais rica do que qualquer outro faria aqui. O que é questionável em sua trajetória ganha o equilíbrio de seu amor verdadeiro pela personagem de Scarlett Johansson. A história do casal é de defesa do par, do “outro”, do “dois”.

Woody se demonstra muito apaixonado ao defender a paixão, o desejo, o amor mesmo. E, ao mesmo tempo, completamente desprendido para não dar importância à temas como traição, por exemplo. O modo como conduz seu filme, um drama clássico em sua maior parte, promove um outro tipo de identificação no espectador, que passa a torcer pelo casal, pela consumação da bela história que você sabe que é real, que você acompanha, que você conhece. Está formada a relação de cumplicidade entre cineasta, protagonistas e espectador. Eles se apaixonaram e o espectador se apaixona por eles.

Quando o filme se reescreve, num terceiro ato completamente à parte, muda tudo. Muda o tom, que fica mais sombrio; muda o gênero, que se torna uma espécie de Hitchcock sem pretensão de ser Hitchcock; mudam alguns conceitos básicos que você tinha desenvolvido pelo filme, mas não muda uma coisa, seu amor pelos protagonistas. Woody Allen talvez não aprove, mas defende suas crias até o fim. E ele impõe, sutilmente, que nós também as defendamos. Mesmo quando ele parte seu coração, pouca coisa muda em relação aos protagonistas. Seu maior desafio era conseguir amarrar toda a trama. Ele conseguiu.

Ponto Final
Match Point, Grã-Bretanha/Estados Unidos/Luxemburgo, 2005.
Direção e Roteiro: Woody Allen.
Elenco: Jonathan Rhys-Meyers, Scarlett Johansson, Emily Mortimer, Alexander Armstrong, Matthew Goode, Brian Cox, Penelope Wilton, Simon Kunz, Geoffrey Streatfield, John Fortune, Rupert Perry-Jones, Miranda Raison, Rose Keegan, Zoe Telford, James Nesbitt, Paul Kaye, Mark Gatiss.
Fotografia: Remi Adefarasi. Montagem: Alisa Lepselter. Direção de Arte: Jim Clay. Figurinos: Jill Taylor. Produção: Letty Aronson, Lucy Darwin e Gareth Wiley. Site Oficial: Ponto Final.Duração: 124 min.

nas picapes: My Babe Just cares for Me, Edward Norton e Natasha Lyonne.

Comentários

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18 comentários sobre “Ponto Final”

  1. Matar a personagem de Scarlett Johansson com tiros de espingardas é a misoginia levada as últimas consequências.Judiação….apenas por uns trocados a mais na carreira bem sucedida.

  2. Acabei de ver o filme (e de ler o teu texto), Chico. Um dos melhores do Woody! Só faltou a nudez da Scarlett pra gente ficar mais satisfeito..hehehe.. Sobre sua personagem, acho que ela só ficou menos verossímel a parte final, quando começa a pegar no pé do cara.

  3. acho que não foi a personagem da Nola que ficou capenga, mas as visíveis limitações da Scarlett como atriz. Fora que aquele elenco inglês é maravilhoso. Inglês nasce e não diz papai ou mamãe, já sai falando bifão de Hamlet.

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