A LENDA DO PRODUTOR SEM CABEÇA

Jerry Bruckheimer ataca novamente: a vítima é o rei mais mítico da história

O produtor Jerry Bruckheimer é uma das maiores pragas de Hollywood. Consegue colocar as garras perversas em tudo: destrói gêneros, desacerta bons diretores e dilacera lendas. As façanhas do rei Arthur e de seus cavaleiros da Távola Redonda foram as mais recentes vítimas da sede financeira do vil caçador de gordas bilheterias. A propaganda do filme que ele convenceu Antoine Fuqua a dirigir, inspirado em alguns dos estudos que tentam inserir o mítico personagem na história européia, tratam de vender o produto de Bruckheimer como ?o homem por trás da lenda?. Tudo para justificar mais um filme de ação com o nome do produtor nos créditos.

Rei Arthur tem seus méritos: a localização histórica dos cavaleiros inicialmente parece interessante, mas o roteiro raso que afasta os elementos fantásticos da trama, como no débil Tróia (Wolgang Petersen, 04), não sustenta o filme como algo além de um blockbuster para o verão dos Estados Unidos. Arthur é um militar que lidera um grupo de sarmatianos, povo que vivia onde hoje seria a Áustria e foi incorporado e escravizado pelos romanos, no patrulhamento de uma área da Bretanha cercada por um muro. Seus cavaleiros são os escravos transformados por Roma em guardas com missões suicidas. Guinevere é uma guerreira da tribo bretã do Woads, selvagem liderados por Merlin, uma espécie de terceiro poder diante dos romanos e dos bárbaros saxões.

Comprovações históricas muito à parte já que não há nada provado, o filme elimina ou simplesmente ignora elementos fundamentais à trama do rei guerreiro. Para começar, excalibur, a espada mística, não tem nenhuma simbologia especial. A feiticeira Morgana, meia-irmã de Arthur e personagem fundamental para o desenvolvimento da lenda, não chega nem a ser citada durante o filme, que também nunca dá a Merlin o posto de guru de Arthur ou de místico poderoso. Por solicitação de Bruckheimer, o triângulo amoroso entre Arthur, Guinevere e Lancelot se resume a duas ou três brincadeiras verbais sem maior conseqüência.

Sobra o quê?

Nada mais que a habilidade de Fuqua – e de seu diretor de fotografia Slawomir Idziak, o mesmo de A Liberdade é Azul (Krzysztóf Kieslowski, 93) – em compor algumas seqüências. A batalha no gelo é, sem dúvida, a melhor delas, com uma forte inspiração nas imagens dos westerns de Sergio Leone e Sam Peckinpah, ainda que anos-luz aquém do talento dos dois. Mas a habilidade técnica do diretor não é grande coisa frente às constrangedoras cenas de “avante, cavaleiros” tramadas pelo roteirista. O filme ainda sofre de uma certa falta de carisma de parte dos atores. Keira Knightely é linda, mas a versão reloaded de Winona Ryder ainda precisa de umas aulas de interpretação.

Bruckheimer faz mal a Hollywood, faz mal ao cinema. O excepcional Excalibur (John Boorman, 81) consegue ser muito mais realista e coerente reproduzindo toda a lenda e seus personagens. Até a série de HQ Camelot 3000, publicada no início dos anos 80 (e que bem que poderia receber uma republicação da Panini Comics no Brasil) também é um resultado muito mais consistente mesmo transpondo a ação para daqui a mil anos. Falta magia em Rei Arthur. No fim, a exaustiva tentativa de dar veracidade a história de Arthur eliminou a golpes de foice, machado e algumas flechadas certeiras o que há de mais encantador no personagem: o místico do mítico.

REI ARTHUR
King Arthur, EUA/Irlanda, 2004.

Direção: Antonine Fuqua.

Roteiro: David Franzoni.

Elenco: Clive Owen, Ioan Gruffudd, Mads Mikkelsen, Joel Edgerton, Hugh Dancy, Ray Winstone, Ray Stevenson, Keira Knightley, Stephen Dillane, Stellan Skarsgård, Til Schweiger, Sean Gilder, Pat Kinevane, Ivano Marescotti, Ken Stott,

Lorenzo De Angelis, Stefania Orsola Garello, Dawn Bradfield.

Fotografia: Slawomir Idziak. Montagem: Conrad Buff e Jamie Pearson. Direção de Arte: Dan Weil. Música: Hans Zimmer. Figurinos: Penny Rose. Produção: Jerry Bruckheimer. Site Oficial: www.kingarthurmovie.com.

nas picapes: There’s No Home For You Here, The White Stripes.

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