Émilie Dunquenne

O cinema dos irmãos Dardenne parece ser o cinema sobre o embate entre o homem e o inevitável. Em O Filho (2002), o inevitável surgia na impossível relação desenhada entre o homem, o habitué Olivier Gourmet, e o garoto. O desfecho daquele filme, mesmo que a história queira nos propor o acaso, parecia cristalizar um certo conformismo com conceitos como “destino”. O que não é, o que não é para ser. Parecia, inclusive – e eu peguei algumas brigas por dizer isso -, uma solução de certa forma vingativa. Um desfecho-punição que não apenas impossibiliza uma relação fadada ao fracasso como surge como alento para a dor do protagonista.

Já Rosetta, filme de 1999, obra mais conhecida dos irmãos, Palma de Ouro em Cannes, é um círculo. A personagem-título é a conformista, por natureza. Sua vida, seu dia-a-dia, seus problemas são tudo o que ela tem. Quando se vê sem eles, Rosetta perde seus parâmetros, seu conforto, é obrigada a transformar sua rotina, seu passo-a-passo. Aos poucos começa a reconstruir sua vida e a adotar novos hábitos, um novo cotidiano. Os Dardenne filmam num esquema de ultra-realismo, onde a câmera que nunca pára funciona muito melhor do que nos filmes do Dogma, mas com uma função completamente diferente: lá ela era reformista, aqui serve para humanizar as personagens.

Os irmãos são meio impiedosos com sua personagem. Rosetta não tem escrúpulos quando o assunto é resgatar o conforto. Impiedosa, faz o que pode para reestabelecer seu posto no mundo. Rosetta quer muito existir, mas não exatamente significar. Tanto que, quando surge a primeira oportunidade de voltar a sua condição inicial, a moça não pensa duas vezes. Rosetta são os Dardenne reiterando sua crença no inevitável, na pessoa que é para o que nasce. Mas nunca o conformismo foi tão bonito, tão triste, tão de verdade. Um filme muito revelador.

Rosetta EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Rosetta, Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne, 1999]

Comentários

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9 comentários sobre “Rosetta”

  1. Não vi “O Filho” (conheço gente que detestou, mas não estranho). Lembro que, na época em que vi “Rosetta” (há uns três anos), observei que era mesmo infinitamente melhor do que qualquer filme do Dogma 95.

  2. “…marmeleiro amarelô” hehe…eu sempre fico com vontade de comentar as picapes

    sobre os filmes, daria uma estrela a mais pra cada um deles

  3. Tomei este susto também, Ailton.

    Marcos, fiquei com vontade de rever O Filho depois desta sessão dupla dos Dardenne. Queria mesmo era ter visto os outros filmes que foram exibidos na mostra.

  4. Considero O Filho um puta-filme – cinema minimal (em técnica e não em possibilidades de construir uma realidade com quase nada). Um filme, ao mesmo tempo, sufocante. Pena não ter visto Rosetta.

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