Texto publicado originalmente em 26 de abril de 2006:

[o palco como herança]

Há algumas semanas, eu editei uma matéria para a TV em que trabalho sobre o lançamento em Salvador do filme A Máquina, estréia de João Falcão na direção de um longa-metragem. Na entrevista, Falcão afirmava que tinha seguido um caminho completamente diferente do proposto na peça homônima que havia dirigido anteriormente, a partir do mesmo livro de sua mulher, Adriana. Eu demorei bastante para ver o filme e fiquei perplexo com o resultado. Os trechos da entrevista que eu selecionei para irem ao ar não eram verdade. João Falcão foi bem desonesto porque A Máquina, o filme, é teatro, puro teatro.

Da cenografia competente e assumidamente fake (eu não desgosto de cenografias assumidamente fakes quando elas funcionam em favor dos filmes) à marcação do espaço para os atores em cena, tudo é herança do palco, herança que Falcão, tão elogiado pela versão teatral da história, não soube traduzir para o cinema. Quando a gente percebe que um filme se utiliza de elementos de outra forma de expressão para brincar, estamos com um diretor um passo a frente da linguagem de cinema. O cara já domina a linguagem e parte para as referências, para a brincadeira. Mas este está longe de ser o caso aqui.

Mesmo quando tenta usar a montagem para tentar fazer um filme leve e inventivo, Falcão se mostra absolutamente inábil e os resultados são, na melhor das hipóteses, ingênuos, mas seriam melhor definidos como primários. Completamente preso aos cacoetes teatrais, A Máquina não se livrou nem daqueles diálogos montanha-russa em que os atores, para parecerem bons atores, falam muitas coisas muito rápido (e, claro, com muitas frases de efeito). E Gustavo Falcão, ótimo em Árido Movie, com a inconsistência da direção, entrega uma interpretação inexpressiva.

Então, a culpa toda é do tal do João Falcão? Da tal da tradução? Não totalmente porque o texto de que muita gente gosta muito é uma bobagem, recorre a lugares comuns dos mais desgastados, exalta o nordestino por aquela tática perversa de vendê-lo como o ser esquisito, engraçadinho, quase um bichinho. A Máquina, o filme, é uma mentira das grandes. Mas A Máquina, o texto original, já não era grande coisa mesmo.

Email recebido em 31 de julho de 2006:

De: João Falcão Enviado por: criaturaproducoes.com.br
Para: chicofireman@gmail.com
Data: 31/07/2006 19:27
Assunto: desonesto

Senhor Fireman,
Nunca havia ouvido falar no seu nome até chegar às minhas mãos um texto seu publicado no dia 26 de abril de 2006 no qual o senhor me acusa de desonesto por ter afirmado que, no filme A MÁQUINA, “havia seguido um caminho completamente diferente do proposto na peça homônima que eu havia dirigido anteriormente”.
Se o senhor tivesse assistido à versão teatral da MÁQUINA não teria passado por vexame tão patético, pois saberia que o filme segue um caminho completamente diferente do proposto na peça homônima que eu havia dirigido anteriormente”.
Se, em vez de dar trelas à sua histérica compulsão em vomitar venenosidades, o senhor tivesse se informado, um pouco que fosse, sobre a montagem da peça, provavelmente não teria sido tão leviano, trapalhão e, porque não dizer, desonesto.
Não tenho a menor intenção de manter correspondência ou discutir linguagem teatral ou cinematográfica com o senhor, que pelo visto é um perfeito exemplo de mau uso do espaço democrático da internet.
Não tenho o menor interesse pela sua pessoa ou suas opiniões, nem em tornar pública sua falta de responsabilidade jornalística nem em levar à cena jurídica um tipo de calúnia que, imagino, tenha origem em frustrações comuns a indivíduos pretensisos de inteligência pouco privilegiada.
Este é um texto pessoal e não um comentário para ser postado em blogs. Escrevo apenas como um ato de caridade para com os medíocres e pobres de espírito de uma maneira geral.
João Falcão
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Meu email-resposta enviado na madrugada de terça-feira:

Senhor Falcão,

muito curioso seu email. Primeiro, começa com a irrelevante informação de que nunca havia ouvido falar da minha pessoa. Eu, pelo contrário, ouvi falar bastante do senhor e de sua participação no cenário teatral nacional nos últimos anos. Sobre sua reclamação, realmente não assisti à montagem teatral de A Máquina. Minha intenção nunca foi a comparação.

Quando escrevi a palavra “desonesto” não me referi à semelhança entre elementos pontuais de peça e filme, mas na visível dependência que o longa tem do modelo teatral. Se a idéia era fazer um filme distante da linguagem do palco, ela foi por água abaixo. Eu achei desonesto anunciar que o filme era diferente se o que mudou foram algumas escolhas, já que as regras são as do teatro. Se não foi, paciência.

Meu texto é um reflexo da minha decepção como pessoa que vai ao cinema. Continuo achando o filme muito fraco e acho que isso não mudaria se eu tivesse visto o espetáculo. Achei o texto ruim e cheio de clichês. Acho que o problema da tradução é apenas mais um.

Mas o que me surpreendeu em seu email é que, ao longo de todo o texto, não há uma só frase onde o senhor tente defender seu filme. O email inteiro tem apenas o objetivo de lançar ataques pessoais contra mim – cá entre nós, de forma bastante pueril, como no histericamente engraçado período final. Curioso que aconteça isso quando o foco do meu texto é o filme que o senhor dirigiu e não o senhor. Como o senhor não defende sua obra, deduzo que possa até concordar comigo.

Meu interesse no senhor também é bastante rarefeito. Não haverá mais troca de correspondências, fique tranqüilo.

Chico Fireman.

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