Respiro

A diferença é o que faz a diferença. Não ser mais do mesmo é passível de punição, afastamento, exclusão. Não há sentimento pior de que o de não fazer parte. A falta de cumplicidade é o que mais entristece o coração da protagonista de Respiro. Valeria Golino, em boa forma, é a dona de casa e mãe da família que peca aos olhos dos vizinhos porque exalta a plenitude e não se prende a padrões de comportamento. Sua peculiaridade incomoda, atrapalha e finalmente extrapola os limites etéreos impostos por um pequeno vilarejo em algum ponto do litoral siciliano. Siciliano, eu disse. Fosse filmado sob lentes do outro lado do Atlântico, o filme certamente padeceria de um oceano de obviedades. Mas o cineasta Emanuele Crialese, tal qual sua personagem, nada contra a maré, transcende pré-conceitos e chega à superfície com fôlego restituído.

Respiro fala com inquietante sinceridade sobre querer a liberdade. Por mais tolo e primário que isso possa parecer. O estilingue que fere com perversidade juvenil também exalta a força da pureza, do mais forte que se impõe naturalmente, do que explode com os hormônios. O filho da protagonista mostra que a história vem ciclos. Ele é o espelho e o contraponto da mãe. Reprisa sua sensualidade inata e impulsividade crônica. Faz porque tem que fazer. Não respeita represas. Crialese abusa. Sua câmera explora aromas e reflexos. Sufoca o espectador a ponto da identificação tornar-se obrigatória. E há o mar. O mar como metáfora para a perda de horizontes. É para lá que a personagem de Golino tenta ir de carona; é no mar que ela se despe de roupas e de timidez; e é lá que se perde e renasce santa.

Respiro EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Respiro,  Emanuele Crialese, 2002]

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