Heath Ledger, Aaron Eckhart, Christian Bale

E, então, depois da expectativa das pré-estréias e do furor dos primeiros dias de exibição, eu fui ao cinema para rever Batman – O Cavaleiro das Trevas. Mas antes de relatar como foi minha reavaliação do filme, gostaria de lançar alguns pensamentos sobre algumas questões instaladas nos últimos dias.

Primeiro, acho formidável o êxito do filme. Até hoje, quinta, dia 7, às 22h, ele já é a sétima maior bilheteria da história em números absolutos e daqui a pouco entra nas 50 mais nos números relativos, com os valores corrigidos pela inflação. Aplaudo mesmo. É admirável porque abre espaço para uma investida mais massiva da DC Comics no cinema, porque sedimenta o próprio gênero do filme de super-herói, porque leva mais gente ao cinema. Não há nada que conte contra esse sucesso.

No entanto, é meio assustadora a devoção que esse filme gerou – e isso, antes mesmo de ter sido lançado. Um mês antes da estréia, todos já pareciam prontos para esperar uma das maiores obras-primas da história do cinema. Talvez a maior. E não se tratava apenas de fãs fervorosos do personagem ou leitores vorazes de HQs. Era todo mundo mesmo. E, com os primeiros comentários muito elogiosos, achar algo diferente disso seria pecado. Mortal. Algo como comportamento de infiel perante uma igreja intolerante. O novo filme do Batman deveria ser louvado, reverenciado, idolatrado.

Rapidamente, surgiram textos comparando o trabalho de Christopher Nolan ao de Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Michael Mann, Orson Welles. No maior site de cinema do mundo, o IMDB, o filme rapidamente se tornou o melhor da História, segundo a opinião dos leitores. No fim do primeiro dia de exibição, ele já tinha a maior média de todas e 80% dos votos eram uma “nota dez”.

Esse fenômeno me parece uma conjunção de fatores: um filme de um dos heróis mais amados do planeta; um filme do herói mais respeitado e complexo do planeta; um tom sério que credibiliza as eventuais “coisas de criança” que super-heróis trazem consigo; uma embalagem grandiosa que vai desde uma seleção forte de atores até a cenas filmadas com gigantismo, o que sempre causa a impressão de “porra, que filme do caralho”; e, por fim, o réquiem de um ícone jovem, consagrado e celebrado, sex symbol e grande ator, no papel de um vilão psicótico.

Como recusar esse prato sem ser despeitado, enjoado, metido a alternativo?

Então, há exatamente um mês, eu fui ver a tal obra-prima pela primeira vez. E saí achando que havia muita coisa que me agradava no filme, mas existiam outras que não me pareciam tão legais assim. Escrevi o que achei, que o filme ficava num meio termo. Que era retórico demais em alguns momentos, que exagerava no blockbuster em outros. Choveram pedras, cuspes e canivetes. Tentei sair o mais ileso possível e terminei adiando por um bom tempo o dia de minha reavaliação. Nesta semana, num fim de tarde, eu revi o filme.

Por pontos, então:

1) o assalto, a seqüência de abertura, é muito bem filmado. Tem corpo, inteligência e um quê vintage que parece querer dominar o longa inteiro;

2) a interpretação de Heath Ledger é uma obra-prima. Cada entonação, respiro, linguinha pra fora funcionam com perfeição. É realmente uma perfomance superior, mesmo em cenas difíceis como a da enfermeira, que poderia facilmente cair no ridículo;

3) todo o conceito do personagem, o Coringa, é acertadíssimo. O psicótico, além do grande ator que ganhou, foi desenhado pelo roteiro com absoluta coerência. É um dos vilões mais bem definidos que eu já vi;

4) a série de aparições do jornalista vivido por Anthony Michael Hall, de Clube dos Cinco, que não havia me chamado atenção antes, amarra bem a história inteira, desde sua entrevista com o prefeito até seu resgate, funcionando, de certa forma, como a espinha do filme;

5) Aaron Eckhart sabe fazer a virada de seu personagem com elegância e sutileza, mesmo a mudança exigindo grande dose de violência;

6) a cena em que Alfred (Michael Caine, muito bem) decide o destino do bilhete deixado por Rachel Dawes é bem bonita, filmada de maneira simples, sem excessos sentimentais;

7) tudo funciona com o personagem de Gary Oldman, talvez a escolha mais improvável do elenco, mas que subverte tudo o que esperaríamos de uma boa interpretação de Gary Oldman. É um de seus melhores papéis;

8) o roteiro administra bem várias situações, com destaque para o atentado e a visita à casa dos Gordon, o seqüestro que termina em morte e até mesmo a canastrice de Eric Roberts como o líder mafioso. O irmão de Julia funciona direitinho;

Mas nem tudo são flores mesmo. Rever o filme só me fez ter certeza de como ele não me deslumbra nem um pouco e, às vezes, até chega a irritar:

9) a grande seqüência de perseguição é longa, cansativa e barulhenta – parece existir apenas para que o já citado “porra, que filme do caralho” pudesse ser usado sem medo de errar, mas, além de ser inflada demais, não parece fazer parte do universo do Batman, muito menos espetacular do que o de outros heróis;

10) o momento Hong Kong do filme é o supra-sumo do exagero. Pra quê aquilo? Desnecessário, tenta aproximar o herói de James Bond ou afins e é filmado como se Nolan estivesse dirigindo um carrinho bate-bate no parque de diversões;

11) a cereja mofada nesta história é mesmo Christian Bale. Tudo relacionado a ele é ruim e sem talento. Bale continua um ator medíocre inventando que é grande, como no grotesco O Operário ou no “quero ganhar uma grana fingindo que sou sério” Psicopata Americano. Caricato, careteiro, limitado. No dia em que franzir a testa for sinônimo de interpretar bem, eu fundo um fã-clube dele;

12) e a voz, hein? Me poupem;

13) até agora não entendi como não conseguiram pensar em alguma coisa melhor para explicar a evolução do traje do Batman do que a seqüência dos bat-clones com a participação do Espantalho. É simplesmente gordura. Eu cortava fácil na ilha de edição. Conseguiram deixar o uniforme do herói tão tosco quanto os de seus fãs, sob o pretexto de ele deveria ser mudado;

14) esta cena parece ter um segundo e maior motivo, que é o de questionar a influência do herói sobre o público. O que deveria ser uma grande questão moral para Bruce Wayne é tratado de forma relaxada e não convence;

15) por sinal, incomoda bastante esta tentativa de multiplicar o lado “importante” do filme. Não que eu ache que tudo é uma grande festa e que o filme é de diversão. Não mesmo. Eu levo super-heróis bem a sério, mas precisava aquele papo furado sobre heróis de verdade durante o filme inteiro? Precisava ficar explicando tão repetidamente e de forma tão didática que o Batman não é um medalhista olímpico, mas um vigilante sombrio? Praticamente todos os personagens principais do longa tem algo a dizer sobre o assunto.

Por fim, minha revisão me fez chegar à seguinte conclusão: o maior problema do filme é como ele nos implora para significar algo mais. “Why so serious?”, hein?

Comentários

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38 comentários sobre “Batman – O Cavaleiro das Trevas, um mês depois”

  1. Chico é sempre Chico… Pra lá ou pra cá, para cima ou para baixo, para um lado ou para o outro, para o bem ou para o mal.

    Curti muito mais o filme que você, e meu único senão é para a voz do Batman, não curto os sussuros uivantes do Bale.

    A despeito da cena inicial serve para justificar ematomas reais de uma pessoa real, e de quebra justifica a nova roupa do Morcegão.

    Abraço.

  2. Pablo, não digo que foi um final happy end, mas um final com textinho “sei falar coisas bonitas sobre honra e justiça”.

    Wallace, eu tb gosto muito do Aaron. Esse Christopher merece um peteleco – ei, é uma brincadeira!

  3. Obrigado a vc, Lia.

    Lúcido eu não sei, Thiago, mas o contrário de deslumbrado, sim.

    Christopher, não vi problemas na Maggie com o Aaron. No papel, eu prefiro a Katie – e acho que ela é uma boa atriz – mas acho que a substituição ficou ok. Concordo totalmente sobre como se filma o diálogo do casal. Mal feito.

    Eu já acho que dá pra fazer um Batman realista, sim, mas não seria um filme de 500 milhões de dólares.

  4. Parabéns pelo texto, Chico. Apesar de gostar bem mais do filme do que vc, acho seus argumentos bastnate consistentes e coerentes.
    Sobre o que o Christopher falou, acho injustiça o comentário acerca do Eckhart: uma mudança tão radical no comportamento de um personagem poderia facilmente cair na caricatura, ser artificial, mas ele consegue torná-la totalmente aceitável. E o Batman do Burton é bem fraco, né ?
    Também revi o filme, e estou chegando a conclusão de que o único elo fraco do filme é personagem da Maggie Gyllenhaal. Por incrível que pareça, preferia a Katie Holmes. Ainda bem que a Rachel Dawes … bem … não vamos colocar spoilers aqui para quem ainda não viu, né ?
    Abração !

  5. O que mais me incomodou no filme não foi nada disso, mas a liçãozinha furada de paz e amor no final. Eu já disse por aí e repito: tava torcendo pros civis explodirem os bandidos. Pois essa é a crua verdade, e o Coringa tem razão. Aquele final, em especial aquele diálogo do Batman sobre “esperança”, só fez o filme se tornar mais um happy-end enlatado.

    Eu adorei o filme, mas isso aí matou.

  6. Esse oba-oba em cima do filme é incrível mesmo. Inexplicável pra mim.

    Não gosto da cena inicial. Clichê dos clichês de filmes de roubo. O que me incomoda nesse Batman é que ser mais “realista” significa apenas ser um “filme de ação hollywoodiano” e não um “filme realista”. No caso, o ser um “filme de ação” é mais realista do que ser um “filme de super-herói”, já que Batman nunca poderá ser realmente realista, afinal, apesar de tudo, é sobre um cara vestido de morcego (e nesse caso, com um vilão pintado de palhaço). Nunca li os quadrinhos e nem pretendo fazer isso, mas, no cinema, prefiro muito mais o Batman mais alegórico de Tim Burton.

    Mas o Heath Ledger tá genial mesmo. E não gosto do Aaron Eckhart, o que ele faz depois da transformação, me parece ser apenas falar mais alto. Aliás, outro ponto falho do filme para mim, é a relação entre o personagem dele e a da Maggie Gyllenhaal. Não consigo acreditar na relação dos dois.

    Escrevi esses dias um texto sobre como o plano e contraplano pode aproximar dois personagens, mesmo em espaços físicos distintos, e acho incrível como, mesmo num clímax, como na onde o casal está prestes a morrer, se comunicando por um rádio, o Nolan deixa a câmera afastada dos personagens e não há nem ali, no momento da morte, uma tentativa de aproximação entre os dois.

    Enfim, acho que escrevi demais, hehehe.

    Gosto de Batman Begins, na medida do possível.

  7. Nossa, cheguei aqui via Hedonismos (na verdade, via @marcdoni). Isso tudo que você escreveu faz total sentido. Concordo. Concordo. E concordo de novo. Mas aí, se você diz que a voz de Christian Bale compromete, sim, a credibilidade do filme (que se chama ‘O Cavaleiro das Trevas’, e não ‘As Traquinagens do Coringa’), tem que ouvir “Como ousa? Esse filme é perfeito!!”.

    Não, não é. Obrigada.

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